Financiamento climático pode ajudar produtores da Amazônia?
19 de novembro de 2024De barco por águas rasas, José Cristo de Oliveira tenta chegar aos produtores de guaraná antes dos atravessadores. A situação é crítica: a seca severa na Amazônia isolou as propriedades, afetou a produção e atrapalha a viagem do produto até o mercado justo.
Cristo, como é chamado, tenta salvar a colheita dos mais de cem membros da Associação dos Agricultores Familiares do Alto Urupadí (Aafau), Amazonas. A falta de água e o calor extremo não pouparam o fruto, que brotou em menor quantidade neste ano - e no passado, que também foi seco demais.
"Estamos indo a cada guaranazal para ter uma expectativa e dando um adiantamento para as famílias justamente para elas não venderem para os atravessadores. Assim, a gente consegue manter a nossa produção", explica Cristo à DW.
A associação conseguiu 300 mil reais extras para a missão. O dinheiro vem de um empréstimo a custos bem menores que o do mercado financeiro e ajuda as comunidades a sobreviverem aos impactos da seca na Amazônia, evento climático extremo que tem se tornado mais frequente com o aquecimento do planeta.
"O impacto é muito profundo porque é uma região muito vulnerável. Eles precisam daquele dinheiro na hora para a retirada do guaraná, para a alimentação, o recurso não pode esperar", diz Ana Beatriz Villela, coordenadora sênior de investimento de impacto da Sitawi, organização sem fins lucrativos voltada a negócios socioambientais credora da Aafau.
Quem paga a conta?
A cadeia do guaraná se soma a muitas outras no mundo afetadas pelos impactos das mudanças climáticas. Na fria Baku, capital do Azerbaijão, o debate sobre dinheiro para apoiar países mais pobres no enfrentamento a este cenário alimenta a discussão da atual edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29).
"Não há suporte financeiro suficiente no momento e as comunidades estão pagando praticamente sozinhas todo o custo. É preciso aumentar dramaticamente o dinheiro para adaptação e para a resposta aos eventos climáticos extremos", diz à DW Avinash Persaud, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
As negociações estão travadas nesta reta final. O impasse gira em torno de decisões sobre o quanto e quem tem que pagar pelo financiamento climático das nações menos desenvolvidas. Nos documentos oficiais, esse "fundo" a ser construído tem o nome de Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG, na sigla em inglês).
A conta é alta. Seriam necessários mais de um trilhão de dólares para apoiar governos a prepararem cidades, comunidades, cadeias de abastecimento para o impacto das mudanças climáticas.
"Um resultado seria países ricos se comprometerem a contribuir 300 bilhões de dólares anualmente. Parte significativa desse montante poderia ser fornecida através de empréstimos a longo prazo de bancos multilaterais de desenvolvimento", sugere Persaud, adicionando que acionistas teriam que injetar uma quantidade relativamente pequena de capital adicional.
O papel e os interesses do Brasil
Com uma boa reputação no mundo da diplomacia e anfitrião da próxima conferência, o Brasil foi convocado de última hora para mediar os conflitos em Baku. O próprio presidente da COP29, o ministro azeri Mukhtar Babayev, deu ao país um papel inédito na tarde desta segunda-feira (18/11), junto com o Reino Unido: garantir que todos os temas que geram discórdia entre os países sejam contemplados no documento final de forma equilibrada.
"O objetivo é um pacote completo de decisões. O novo objetivo de financiamento; a finalização do artigo 6; os indicadores para as metas de adaptação; transição justa; mitigação; mecanismos de tecnologia; e o diálogo sobre o balanço global", disse à imprensa brasileira a embaixadora Liliam Beatris Chagas de Moura, no fim do dia.
O pedido de socorro foi inteligente, analisa Claudio Angelo, Coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima. "A presidência não está dando conta, tem menos tradição neste processo multilateral", diz.
A briga é para garantir que as nações mais ricas e maiores responsáveis pelas emissões de gases estufa acumulados na atmosfera – que acelera as mudanças climáticas – arque com a conta.
"O Brasil negocia para deixar bem clara a definição do que é financiamento climático e para manter o processo vivo, principalmente em solidariedade aos países mais pobres. Mas ainda não sabemos quanto vai custar a adaptação no país, pois o plano nacional ainda está em construção", pontua Angelo.
Investimento
Enquanto as negociações climáticas seguem no Azerbaijão, Cristo, em meio à seca na Amazônia, tenta evitar o pior. A compra da safra de guaraná dos produtores quer garantir um preço justo na venda final e dar condições para os agricultores continuarem ali.
"O clima está mudando, e o nosso jeito de trabalhar, de ler a natureza, não está mais funcionando bem. O ano passado a gente teve uma crise e este ano está pior, uma quentura e uma seca muito forte", diz Cristo.
A colheita em 2024 deve ficar em 15 toneladas, cinco a menos do que inicialmente previsto. "Mais de 240 são beneficiadas pelo nosso trabalho. A gente briga muito para preservar o território, brigamos contra madeireiros, para vender direto para o mercado. A gente só quer continuar produzindo nosso guaraná na Amazônia", justifica.
Vinda do mercado financeiro tradicional, Ana Beatriz Villela, há quatro anos na Sitawi, diz que os empréstimos ajudam populações vulneráveis, povos tradicionais, ribeirinhos, quilombolas e povos indígenas a melhorarem as condições de vida e a se adaptarem, com construção de poços artesianos e sistema de energia solar, por exemplo.
"No caso da Aafau, eles pagarão de volta o empréstimo em 12 meses, com seis de carência. E a nossa taxa de inadimplência é baixa, em torno de 5%", diz Villela.
A Sitawi oferece microempréstimos, mas, num contexto de crise global, os bancos multilaterais podem ganhar mais relevância no financiamento climático, diz Avinash Persaud, do BID.
"Investir em resiliência é criar uma poupança para o futuro. Para cada dólar investido, quatro dólares são economizados. É o quanto se deixa de gastar com as perdas provocadas pelos impactos das mudanças climáticas, como perdas de produção, infraestrutura, problemas de saúde", cita Persaud.