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Cena de masturbação de alunos de medicina: nojo padrão elite

Nina Lemos
Nina Lemos
19 de setembro de 2023

O horror foi protagonizado por estudantes da Universidade Santo Amaro durante um jogo de vôlei feminino. Em grupo, eles abaixaram as calças e expuseram seus pênis. Nojento.

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Homem de costa com chapéu de formatura
"Mas é preocupante como os casos de abuso e sexismo acontecem entre estudantes de medicina, que deveriam ser formados para nos dar segurança e ter sensibilidade."Foto: Rainer Unkel/Imago Images

A cena parece vinda de um filme que mostra os horrores protagonizados por estudantes que pertenciam a uma fraternidade em universidades americanas, lá pelos anos 80. Mas aconteceu no Brasil de 2023 mesmo.

O vídeo, que viralizou neste domingo (17/09), mostra estudantes de medicina da Universidade de Santo Amaro (Unisa) de calças abaixadas, simulando uma masturbação coletiva na quadra onde o time de vôlei feminino da Universidade São Camilo jogava. A partida aconteceu em jogos universitários organizados em abril no interior do estado de São Paulo.

É possível ver as imagens lamentáveis na internet. Nelas, cerca de 20 homens aparecem correndo na quadra com as calças abaixadas, tocando suas partes íntimas, enquanto as estudantes mulheres jogavam vôlei, no maior estilo homens das cavernas.

A bizarrice parece ser banalizada, já que o jogo continuou. Sim, as moças jogaram depois dessa agressão.

E só ficamos sabendo desse absurdo, de fato porque um vídeo denunciando o caso começou a circular nas redes sociais. Na segunda-feira, a imagem causou justa indignação. O Ministério das Mulheres se pronunciou: "Atitudes como a dos alunos de Medicina, da Unisa, jamais podem ser normalizadas — elas devem ser combatidas com o rigor da lei".

Depois de muita reclamação, a universidade informou que teria expulsado seis alunos que foram identificados no vídeo. Se todos que aparecem no vídeo forem punidos, serão muitos. A Polícia Civil de São Paulo também informou que passou a investigar o caso.

Abuso recreativo

O que teria acontecido se o vídeo não tivesse viralizado? Nada, já que a ogrice sem limites, ou o abuso recreativo contra mulheres, é uma espécie de "tradição" de muitas universidades de medicina do Brasil.

E, segundo denúncias de alunos, os trotes, por exemplo, costumam ser terríveis. Na Unisa, conhecida por ser uma das mais tradicionais escolas de medicina de São Paulo, o "ritual" parece ser especialmente terrível.

Segundo reportagem publicada no UOL em 2022, calouros seriam expostos a constrangimentos. Um dos abusos seria justamente ter que correr nu. A reportagem informa também que todos os estudantes tinham que aprender um hino sexista, que falava em "pegar as caipiras e comer em um canto". Horrível.

Expulsão?

Alguns deles serem expulsos é uma boa notícia. Mas o certo mesmo, em minha opinião, seria que eles fossem impedidos de ser médicos.

Afinal, que mulher se sentiria segura ao ser atendida por um médico que importunou colegas desfilando com o pênis na mão durante um campeonato esportivo, em frente a uma quadra lotada? Que respeito esses sujeitos teriam por pacientes em momento de vulnerabilidade?

"Ah, mas eles são só meninos", dizem aqueles que insistem em chamar os jovens brasileiros (e também os adultos) de "meninos" e assim desculpar todas as suas "peraltices" (que muitas vezes não tem nada de brincadeira, ao contrário, são crimes mesmo).

Esse tipo de comportamento é ainda mais tolerado quando ele vem de filhos da elite, daqueles meninos brancos, filhos de rico, o "futuro do país" (contém ironia).

Os estudantes sabem disso muito bem, tanto que desfilaram pelados tocando em seus órgãos sexuais, na frente das colegas, totalmente à vontade, com a certeza de que ficariam impunes. Afinal, eles são ricos, de elite e geralmente nada acontece com eles.

E quem representa melhor esses filhos da elite do que os estudantes de medicina?

Elite econômica

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisa Educacional (Inep) em 2020 mostrou que 80% dos estudantes de medicina em 2019 eram bancados pelas suas famílias.

Nos últimos anos, graças a programas de inclusão como as cotas e o Prouni, negros e filhos de famílias pobres passaram a ter mais acesso à universidade. Mas, mesmo assim, a medicina ainda é ocupada principalmente por brancos e ricos. Afinal, uma mensalidade de um curso custa cerca de R$ 10 mil.

Em geral, estudantes de medicina vieram de "bons" colégios (daqueles que custam quase o mesmo que a universidade), muitos, sabem outras línguas, ou seja, teoricamente, eles deveriam ser pessoas educadas, inclusive porque passar em medicina é difícil mesmo, exige estudo. Mas, claro, não podemos chamar pessoas como as que fizeram o número da "masturbação coletiva" de "bem-educadas". Elas são o contrário disso. Parecem não saber os princípios básicos de civilidade.

Livros e escolas "excelentes"(sic), assim como boas notas, parecem realmente não garantir muita coisa, já que esses sujeitos parecem não ter recebido educação básica, aquela que diz que devemos respeitar nossos colegas, e, claro, respeitar as mulheres. Será que eles recebem parabéns dos pais depois de tal demonstração de "macheza"?

Esse não é o primeiro, e provavelmente não será o último escândalo protagonizado por estudantes de medicina. Pelo contrário, os casos se multiplicam.

Obviamente não estou falando que todos os estudantes de medicina são abusadores. Não é o caso. Mas é preocupante como os casos de abuso e sexismo acontecem entre essa categoria, que deveria ser formada para nos dar segurança e ter sensibilidade. E não manifestação de ignorância. E muito menos, medo. Sim, o que uma mulher sente ao pensar que esses tipos podem se tornar médicos é… medo.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.