Caso Tsarnaev não abala oposição de Boston à pena de morte
19 de maio de 2015Massachusetts aboliu a pena de morte em 1984, ao fim de uma disputa que se arrastava desde a Guerra da Independência dos Estados Unidos (1775–1783). O berço da democracia americana realizou sua última execução há 28 anos – mas a história progressista do estado não foi suficiente para poupar a vida de Dzhokhar Tsarnaev.
O jovem de 21 anos, de ascendência tchetchena, foi sentenciado à morte na semana passada por sua participação nos atentados à Maratona de Boston, que deixaram três mortos e mais de 260 feridos em abril de 2013. A pena capital só foi possível por ele ter sido julgado por uma corte federal. Se o processo tivesse corrido num tribunal estadual de Massachusetts, ele teria recebido no máximo uma sentença de prisão perpétua.
Cultura progressista
Os atentados à maratona foram os maiores em território americano desde o ataque ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. Mas, apesar da gravidade do crime, a maioria dos moradores de Boston é contra a pena de morte, inclusive no caso de Tsarnaev.
Uma pesquisa realizada em março, sob encomenda da rádio pública WBUR, apontou que apenas 38% aprovam a execução do jovem. Na época da sondagem, 49% apoiavam a prisão perpétua para Tsarnaev. Após a condenação, na sexta-feira passada (15/05), a cifra subiu para 58%.
"As pessoas de Boston, e de Massachusetts em geral, gostam do fato de terem abolido a pena de morte", comenta o historiador Alan Rogers, autor de um livro sobre o assunto. "É parte de nossa cultura: e não apenas da cultura jurídica do estado, mas também religiosa e social."
Diante da resistência da maioria da população, a condenação de Tsarnaev só foi possível porque, na seleção do júri popular, foi aceito apenas quem se declarou disposto a impor a pena capital ao réu, caso houvesse evidência para tal. O procedimento é padrão.
Os promotores poderiam ter aberto mão da pena capital. Muitos casos potenciais de condenação à morte em cortes federais acabam num acordo com o réu, que confessa o crime e é sentenciado à prisão perpétua sem possibilidade de condicional.
Algumas famílias de vítimas apoiaram esse caminho. Bill e Denise Richard, por exemplo, perderam o filho de oito anos no atentado, e sua filha de sete anos teve um membro amputado. O casal fez um apelo em artigo no jornal The Boston Globeem apoio à pena de prisão perpétua.
"Nós sabemos que o governo tem suas razões para impor a pena de morte, mas continuar a buscar essa punição pode levar a anos de recursos judiciais e prolongar o dia mais triste de nossas vidas", escreveram.
Risco de anulação
Segundo a ex-juíza federal e professora de Harvard Nancy Gertner, os advogados de Tsarnaev provavelmente vão abrir recurso para reverter a sentença, questionando, por exemplo, a definição do júri, a decisão de realizar o julgamento em Boston e a data escolhida.
"Há questões substanciais que poderiam garantir uma anulação", opina Gertner. "E uma das principais é que o caso foi julgado justamente no dia do segundo aniversário dos atentados."
O atual debate em nível nacional sobre a pena de morte é também capaz de prolongar o processo, que pode chegar à Suprema Corte. Há, no momento, um caso sendo avaliado pela instância máxima judicial americana sobre o uso de midazolam em injeções letais. A substância foi utilizada em três recentes execuções mal sucedidas.
Em resposta aos problemas nas execuções, o presidente Barack Obama ordenou em 2014 a revisão da forma como a pena de morte é aplicada. A atual procuradora-geral dos EUA, Loretta Lynch, declarou apoio à pena capital no caso Tsarnaev: "É a punição apropriada para esse crime terrível."
Condenados à morte são executados de acordo com o método do estado em que foram condenados. Mas em Massachusetts não há um procedimento, já que o estado aboliu a pena capital. Se a sentença de Tsarnaev for confirmada, ele será executado em outro estado, a ser escolhido pelo juiz.
Os EUA têm 32 estados que aplicam a pena de morte, embora em 30 deles não tenha ocorrido nenhuma execução nos últimos cinco anos. Há 12 anos nenhum condenado por um tribunal federal recebe tal punição.