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Campanha satiriza sumiço de armas das Forças Armadas alemãs

29 de outubro de 2020

Coletivo artístico põe "caixas de coleta" no centro de Berlim para armamentos que sumiram de arsenais militares do país e que podem ter acabado nas mãos de extremistas de direita.

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Caixa de coleta diante de prédio da Chancelaria Federal alemã
"Procuramos nossas armas": caixas de coleta diante de prédio da Chancelaria Federal alemãFoto: Ben Knight/DW

"Ninguém depositou nenhuma arma ainda", diz uma jovem sentada numa guarita do lado de fora do enorme prédio que abriga o escritório da chanceler federal alemã, Angela Merkel, no centro de Berlim.

A pequena caixa cinza em que ela está é metálica, de aparência não muito confortável, com um logotipo que se assemelha muito com a cruz usada pelas Forças Armadas alemãs (Bundeswehr) – parece convincente. O mesmo pode ser dito das "caixas de coleta de armas" posicionadas próximas a ela, que traz uma listagem do número alarmante de armas que supostamente desapareceram sem deixar vestígio de arsenais militares alemães nos últimos anos, incluindo 60 quilos de explosivos, 74.161 cartuchos de munição, mais de duas dúzias de rifles totalmente automáticos, um par de lançadores portáteis de foguetes terra-ar e oito tubos de mísseis para aviões de combate Tornado.

Oficialmente autorizada pelas autoridades, a caixa é mais uma ação satírica do coletivo alemão de arte política Centro de Beleza Política (Zentrum für Politische Schönheit – ZPS), que criou um site que também parece genuíno. Sob um nome de domínio que se traduz como "nossas armas", o grupo incentiva seriamente as pessoas a entrarem em contato com o verdadeiro Serviço de Contrainteligência Militar da Alemanha (MAD) se souberem onde está qualquer uma das armas perdidas pelas Forças Armadas do país ou se souberem de algum suspeito extremista entre militares alemães.

Campanha recebe denúncias

Traduzindo: é uma sátira que está realmente disposta a cooperar com as autoridades as quais satiriza. Pelo menos segundo o próprio ZPS: o grupo afirma já ter recebido denúncias de 44 "suspeitos" nas Forças Armadas no primeiro dia da campanha, que foram encaminhadas ao Ministério da Defesa e a comissão do Parlamento alemão especializada em assuntos de defesa.

Conhecido por ações controversas misturando humor, arte e política, o ZPS chamou atenção pela última vez em dezembro, quando teve que se desculpar diante da comunidade judaica após colocar perto do prédio do Parlamento alemão uma espécie de monumento contendo supostas cinzas de vítimas do Holocausto. 

O Ministério da Defesa não quis comentar a ação do ZPS, sob o argumento de que se trata principalmente de uma obra de arte. "Mas levamos muito a sério a questão das armas desaparecidas", disse um porta-voz do órgão à DW, apontando que a pasta planeja produzir um relatório provisório sobre o assunto no final deste mês.

O documento deverá fazer parte de uma investigação em andamento, determinada pela ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, na sequência de um grande escândalo. Em julho, a Bundeswehr dissolveu a segunda companhia da tropa de elite das Forças Armadas, o Comando de Forças Especiais (KSK), depois da revelação do envolvimento de alguns de seus membros com extremistas de direita e neonazistas. Ao mesmo tempo, o Ministério da Defesa admitiu que perdeu 60 mil cartuchos de munição desde 2010.

Dois meses antes, a polícia havia invadido a casa de um soldado da companhia, onde encontrou explosivos e munições escondidos no subsolo. A denúncia veio do MAD, que desde 2017 mantinha o militar sob vigilância.

Redes extremistas na Bundeswehr

Apesar desse caso de destaque, as armas perdidas não foram necessariamente todas elas roubadas por extremistas de direita, e o ministério não reconhece oficialmente que haja uma ligação entre as armas perdidas e o extremismo entre seus militares.

Soldados com com roupa de camuflagem treinando em bosque
Unidade de elite KSK é centro de um escândalo após revelação da existência de extremistas entre seus integrantesFoto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld

Mas o governo alemão está sob pressão para erradicar redes neonazistas nas forças de segurança desde pelo menos 2017, quando relatos de uma rede clandestina de extrema direita nas Forças Armadas começaram a aparecer na mídia. O principal personagem do escândalo era o oficial da Bundeswehr Andre S., apelidado de Hannibal, que coordenava grupos de bate-papo que contavam com mais de 100 integrantes em toda a Alemanha, Áustria e Suíça. Eles estavam supostamente planejando um "Dia X" – um cenário de destruição social na Alemanha, quando políticos e personalidades de esquerda deveriam ser presos ou eliminados.

O que logo foi apelidado pela mídia de "rede Hannibal" incluía membros das Forças Armadas, da força policial e da agência de inteligência doméstica alemã – o Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV), cujo trabalho é rastrear extremistas –, bem como do sistema judicial alemão. A rede parecia estar construindo o esqueleto de um exército clandestino, organizando exercícios de treinamento e estocando armas e outras provisões.

Graças a uma investigação do jornal Die Tageszeitung em 2018, bem como aos pedidos de informação parlamentar do partido A Esquerda, descobriu-se que André S. recebia informações do próprio MAD e que um dos militares, chamado Franco A., fora flagrado supostamente planejando um ataque terrorista simulado disfarçado como refugiado sírio.

Reformulação

Desde então, o MAD tem aparentemente passado por uma reformulação: em maio, a agência de inteligência anunciou estar modificando seus procedimentos para lidar com redes suspeitas de extrema direita, recrutou cerca de 400 novos funcionários e nomeou um vice-presidente civil (originário do BfV).

A Bundeswehr diz que o MAD mantém "deliberadamente baixo" o limite para determinar se deve investigar um caso de suspeita de extremismo, o que significa que se um soldado fizer comentários racistas nas redes sociais ou participar de eventos de extrema direita pode estar sujeito a investigação. Para os soldados muçulmanos, recusar-se a apertar a mão de uma mulher ou propagar a sharia, ou lei islâmica, também pode levar a uma investigação.

Para o ano de 2019, o MAD informou ter realizado 482 investigações desse tipo, das quais 363 relacionadas com tendências de extrema direita. As investigações resultaram em um de três resultados: "vermelho" significa um extremista reconhecido com recomendação de dispensa da corporação; "laranja" significa um caso de simpatias anticonstitucionais, com recomendação de pena disciplinar, e "verde" indica uma suspeita considerada infundada. Cerca de 14 casos foram classificados como "vermelho" e 38, como "laranja".