1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Campanha contra zika deixa lacunas no Rio

Renata Malkes13 de fevereiro de 2016

Forças Armadas enviam 220 mil homens às ruas, mas favelas e áreas de conflito ficam de fora da ação dos militares. Sede dos Jogos Olímpicos, o estado recebe o maior contingente de soldados.

https://p.dw.com/p/1Hv50
Militares visitam casa à procura de focos do Aedes aegyptiFoto: Renata Malkes

Nada menos que 220 mil integrantes das Forças Armadas participaram neste sábado (13/02) de um dia nacional de mobilização contra o mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como a dengue, a febre chikungunya e o zika vírus. Sob o slogan "Zika Zero", os militares ganharam as ruas munidos de panfletos, e a ordem do governo federal era para que os brasileiros fizessem um mutirão de limpeza para acabar com focos do mosquito.

Mas muitos se mostraram descrentes. Para gente como a aposentada carioca Antônia Necto da Silva, de 67 anos, a campanha faz pouco sentido. Moradora do Morro do Borel, uma comunidade pacificada na Zona Norte do Rio, ela conta que, embora haja sujeira e possíveis pontos de proliferação em diversas áreas da comunidade, por lá, não há qualquer sinal de prevenção. As informações e o apoio, lamenta, não chegam para todos.

"Ouvi dizer que a região está cheia de mosquitos e lá no morro ninguém vai olhar. A gente ouve na televisão que não pode deixar água parada, mas ninguém ensina a diferenciar o mosquito do zika dos mosquitos normais. Minha neta de 6 anos está assustada e todo dia me pergunta se o mosquito é perigoso. Eu só digo a ela que também tenho medo de ficar doente. Aqui no Rio, se você ficar doente, não tem hospital funcionando, não tem remédio, não tem nada. Estamos abandonados", disse a aposentada, ao lado da amiga Evangelina Pereira, de 85 anos.

Soldat der brasilianischen Marine überprüft möglicher Brutstellen
Soldado da Marinha inspeciona possível ponto de proliferaçãoFoto: Renata Malkes

"É assustador. Só sei que pagamos muitos impostos e nada funciona. Nem a prevenção, nem o governo, nem o sistema de saúde. O que posso fazer é tentar deixar tudo limpinho", afirmou Evangelina, resignada.

De fato, este é um dos maiores obstáculos à campanha de prevenção deflagrada no Rio de Janeiro. Áreas consideradas de conflito ficarão fora das ações das Forças Armadas. Morros, comunidades e regiões que sofrem com violência, tráfico de drogas e altos índices de infestação do mosquito – devido às condições precárias de saneamento básico – não receberão as visitas. Nessas áreas, o trabalho ficará sob a responsabilidade de agentes de saúde municipais, explicou o coordenador da operação, almirante de esquadra Sérgio Roberto Fernandes dos Santos.

"Nós trabalharemos desarmados. A única arma dos nossos homens será os folhetos que vamos distribuir com orientações para a população", declarou.

71 mil militares no Rio

Oficialmente, a entrada de militares em áreas de conflito só é possível após um decreto presidencial que autorize a chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO) – o que não foi solicitado, segundo o governo federal, por tratar-se apenas de mobilização de conscientização de saúde pública e não de segurança. Representantes das Forças Armadas, porém, garantem que essa lacuna não atrapalha a eficácia da força-tarefa montada em território nacional. Sede dos Jogos Olímpicos, o estado do Rio de Janeiro ganhou o maior contingente da operação – 71 mil militares já estão em ação em 32 municípios, além de 49 bairros da região metropolitana. Durante toda a ação, prevista para durar um mês, vão trabalhar 31 mil homens da Marinha, 30 mil do Exército e 10 mil da Aeronáutica.

Informationsblatt über das Zika-Virus
Militares ganharam as ruas munidos de panfletos sobre o vírus zikaFoto: Renata Malkes

Segundo o coronel Isaías Martins Júnior, do Comando do Primeiro Batalhão da Polícia do Exército, no bairro de Vila Isabel, Zona Norte do Rio, nos arredores do Maracanã, a resposta da população tem sido positiva, já que as pessoas estão se dando conta da gravidade da situação e da necessidade de empenho coletivo para erradicar focos do mosquito transmissor.

"Estamos atuando em áreas onde há aglomerações, para difundir informação. As pessoas estão receptivas, recebem o material e as orientações com interesse, e notamos que ninguém joga o panfleto fora, como acontece normalmente em ações de panfletagem", afirmou.

O coronel tem, ainda, uma motivação extra para enfrentar a coordenação do trabalho sob o sol forte e o calor gerado pela pesada farda militar: a própria esposa dele, Maria Cláudia, de 44 anos, é uma das vítimas do vírus zika. Está em casa, em repouso, com febre, dores no corpo e manchas vermelhas pelo corpo.

"Eu não vivo numa região endêmica, e por isso é importante espalhar informações de combate ao mosquito e mobilizar as pessoas, conscientizá-las em todos os lugares. O maior problema é achar que existe área segura. Não existe. Temos de impedir a proliferação do mosquito em todas as áreas, pois ainda não sabemos quais os efeitos do zika no corpo humano a longo prazo", ressaltou ele, preocupado.

Escolas na lista de checagem

As ações serão reforçadas a partir da semana que vem, quando os militares vão visitar escolas da rede pública para reforçar o trabalho de conscientização de crianças e adolescentes. Ao todo, 646 unidades da rede pública de ensino serão visitadas, além de colégios particulares. Lojas e centros comerciais também estão na lista de inspeção, e a expectativa é que os militares cheguem a 100% dos imóveis indicados em 30 dias.

Brasilien Zika Virus - Armee Aufklärung
Áreas de conflito ficam fora das ações dos militaresFoto: Getty Images/M. Tama

Somente neste sábado, a meta, em todo o Brasil, é visitar 4 milhões de residências. Além da distribuição de material informativo, grupos também circulam em casas particulares, edifícios e condomínios para verificar pontos vulneráveis e, principalmente, pedir maior adesão popular à campanha. Para Maria Helena da Silva, de 65 anos, porém, os esforços chegaram tarde. Ela trabalha como acompanhante de idosos e contraiu dengue, mesmo se esforçando para eliminar poças de água parada em casa e monitorar o lixo da vizinhança. Falta comprometimento, avalia.

"Eu senti que tinha sido picada, mas não dei importância. Quando tive febre, dor nas juntas, tonteira, procurei o médico e fui diagnosticada com dengue. Só aí me dei conta! Já aprendi a não deixar água nos pratinhos sob as plantas e recolher vasilhames abandonados no quintal e na rua para não acumular água, mas as pessoas precisam fazer mais. Eu estou fazendo a minha parte, mas não posso obrigar meus vizinhos a fazerem o mesmo. Isso é preocupante!", afirmou.