Calendário maia que inspirou crença no fim do mundo está em Dresden
20 de dezembro de 2012A prova de que o mundo não vai acabar fica bem atrás de uma pesada porta de metal dourada, pintada com hieróglifos. A porta leva do Museu do Livro diretamente à sala do tesouro da Biblioteca Estatal e Universitária de Dresden. As paredes são pintadas de preto, uma luz pálida dificulta a visão e um mistério parece pairar no ar.
A sala guarda escritos seculares como, por exemplo, um cone de argila da Suméria de quase 4 mil anos, um livro de orações hebraico e uma Missa em si menor, de Johann Sebastian Bach. No meio do recinto, repousa o maior tesouro, dentro de uma caixa de vidro: o mundialmente famoso calendário maia, composto de uma tira de papel amate de 3,5 metros, dobrada em 39 folhas.
Fonte da crença no fim do mundo
O lugar é fresco e escuro, para retardar o processo de decomposição biológica. Regularmente, o diretor da biblioteca, Thomas Bürger, leva visitantes de todo o mundo através desse ambiente, explicando quais informações os sete sacerdotes maias que fizeram o calendário gravaram nas folhas com quase um palmo de largura. "Há numerosas representações divinas, pois os maias reverenciavam os deuses da guerra, da morte e também do milho", afirma Bürger.
"O documento é uma espécie de calendário agrícola, uma cópia de todo o conhecimento maia disponível na época", acrescenta. Os sacerdotes previam nascimentos, eclipses e estações chuvosas. No final do calendário, há uma imagem pintada com cor vermelho escuro. Nela pode ser visto o senhor do mundo subterrâneo, munido com lanças e uma funda, e a deusa Chak Cheel, que derrama água de um jarro de barro.
O crocodilo celeste, que os maias provavelmente associavam à camada mais baixa do céu, também cospe uma grande golfada de água. Esse cenário sombrio é a base usada pelos teóricos do apocalipse. "Porém, a cena ilustra, sem sombra de dúvida, um grande dilúvio que era esperado a cada cinco anos, quando a estação chuvosa coincidia com o dia 4 EB do calendário ritual de 260 dias", escreve o especialista em cultura maia Nikolai Grube, em seu recém-publicado livro Der Dresdner Maya-Kalender (O calendário maia de Dresden).
Bürger, que cooperou com a publicação, também vê o detalhe num contexto bem mais amplo. "Pode-se tirar deste manuscrito a lição de que devemos ter um grande respeito pela natureza. Tivemos agora uma década com todos os tipos de inundações e tsunamis. Isso mostra que temos também hoje os mesmos problemas que os maias tinham, de ocasionalmente serem surpreendidos pela natureza."
Sorte histórica
É uma boa notícia que haja um calendário como o da biblioteca de Dresden. Porque a maioria dos documentos da cultura maia, desaparecida perto do ano 900 d.C., foi destruída. "Quando os europeus conquistaram o México, os deuses maias eram tão estranhos para eles que o bispo Diego de Landa ordenou que todos os 5 mil livros maias fossem queimados", conta Bürger.
Apenas três livros maias sobreviveram não só à cristianização, mas também ao clima tropical e ao inferno da Segunda Guerra Mundial: o severamente danificado Codex Peresianus, hoje na Bibliothèque Nationale de Paris, o Codex Tro-Cortesianus, guardado no Museo de América, em Madrid, e o Codex Dresdensis. Esse último é o único no mundo cujo original ainda está acessível.
O calendário é originário do início do século 16, tendo sido produzido pouco antes da conquista espanhola, embora os pesquisadores não tenham uma datação mais precisa e não saibam a forma como o documento chegou da América Latina para a Europa. Relatos dão conta de que o bibliotecário e capelão da corte Christian Götze o descobriu em 1739, durante uma viagem de compras a Viena, de onde o levou para a Biblioteca Real, em Dresden.
Somente cem anos depois é que se descobriu que o documento é um manuscrito maia. O então diretor da biblioteca, Ernst Wilhelm Förstemann, conseguiu decifrar a grande parte da escrita histórica, marcando o dia 21 de dezembro de 2012 como uma data importante. Neste dia, começa um novo ciclo de 400 anos, o 14° baktun.
Tributo musical à cultura maia
O tão falado apocalipse é, portanto, apenas uma das possíveis interpretações. "Acho que muitas mídias usam a mudança de era mais por razões financeiras. Para mim, isso é uma profanação de algo realmente sagrado e importante para o povo maia", diz a jovem cantora de 19 anos Sara Curruchich.
Ela é uma dos seis milhões de descendentes dos maias que ainda vivem na América Central. Um dia, ela gostaria de vir para Dresden, para ver o Códice. "A cultura maia é conhecida por sua sabedoria, seu respeito e sua relação com a natureza. Muito desse conhecimento entrou em esquecimento. Estaríamos num caminho melhor se pudéssemos voltar a essas origens", diz ela.
Mas em 21 de dezembro, Curruchich estará conectada a Dresden. Neste dia, músicos de toda a Europa participarão de um concerto na biblioteca da cidade. Às 11h50, a cantora maia será conectada ao vivo a partir do México. "É fascinante construir uma ligação espiritual com uma outra cultura que há muito tempo desapareceu", diz Markus Rindt, diretor da Orquestra Sinfônica de Dresden.
Foi ele quem organizou esse grande evento musical. "Foi incrivelmente difícil encontrar músicos. Os maias quase não cantam mais. E quando cantam, interpretam música europeia, mexicana ou pop." Curruchich prova, entretanto, que algo da cultura maia também está sendo mantido vivo pela geração mais jovem.
Autora: Claudia Euen (md)
Revisão: Alexandre Schossler