Brexit é passo atrás no processo de globalização
4 de julho de 2016Irritação por causa da burocracia de Bruxelas, raiva do governo em Londres, medo da imigração: os britânicos tinham muitas razões para votar pela saída da União Europeia (UE). Do ponto de vista econômico, o Brexit é o primeiro grande passo para trás no processo de globalização desde a Segunda Guerra Mundial.
"Pela primeira vez, uma grande economia diz: 'Estamos melhor sozinhos e tomando decisões por nós mesmos'", comenta Homi Kharas, vice-diretor do programa para economia mundial e desenvolvimento da Brookings Institution, um think tank sediado em Washington. "Isso é um grande choque para o sistema."
Pois ao longo de 70 anos a globalização vinha sendo vista como solução para os problemas do mundo. Ao longo desse período, o comércio internacional, os fluxos de capital e a migração aumentaram de forma constante.
E havia uma ampla aceitação de que todos se beneficiam com a globalização, tanto os ricos como os pobres. Inúmeros estudos e uma classe média em expansão na China e na Índia pareciam comprovar isso. "A União Europeia, com o seu mercado único e a livre circulação de seus cidadãos, era 'um exemplo brilhante' dessa tendência", ressalta Kharas.
Bom para todos os países, nem tanto para todos os cidadãos
Mas os defensores da globalização consideram o panorama geral, esquecendo dos indivíduos. "Economistas sempre disseram que todos os países se beneficiam da globalização", afirma Kharas, em entrevista à DW. "Eles partem do pressuposto de que há mecanismos dentro de cada país para distribuir esses lucros."
Ou seja, se um estudo calcula que, através da integração com a economia internacional, as famílias dos EUA conseguem dispor, em média, de 10 mil dólares a mais por ano, isso ainda não diz nada sobre a forma como essa riqueza é distribuída. Desde que novos e melhores postos de trabalho sejam criados, mesmo que fábricas sejam fechadas em outra parte do país, os economistas se dão por satisfeitos.
Governos podem tentar compensar os efeitos negativos de infraestruturas defasadas, desemprego e baixa escolaridade através, por exemplo, de investimento público, subsídios ou impostos. "Mas esse processo de redistribuição não funciona mais tão bem como gostaríamos", afirma Kharas.
Medo da imigração
A crescente desigualdade leva à insatisfação. A ela soma-se um medo crescente da imigração, particularmente entre pessoas com baixa qualificação profissional, que consideram os imigrantes seus concorrentes. Kharas chama isso de "o segundo punhal nas costas da globalização".
No entanto, ele não acredita que a política liberal de refugiados da Alemanha tenha decidido o referendo do Brexit. "Eu ficaria muito surpreso se a decisão corajosa de Angela Merkel, de permitir a entrada de refugiados na Alemanha, tivesse influenciado decisivamente a votação."
O argumento dele é que a imigração já é há muito tempo uma questão controversa no Reino Unido. "Eu estive no final dos anos 60 no Reino Unido. Há 50 anos o tema era exatamente o mesmo", recorda, observando que a única diferença era que os imigrantes vinham principalmente das ex-colônias britânicas no sul da Ásia e no Caribe, enquanto hoje eles vêm do Leste Europeu.
"Intencionalmente ou não, a decisão do referendo sobre o Brexit criou um precedente perigoso, pois a resistência à globalização econômica vem crescendo", diz Gary Clyde Hufbauer, do Peterson Institute for International Economics, em Washington.
"Mesmo antes do referendo sobre o Brexit, a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio já estava morta, o Acordo de Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês) encontra obstáculos políticos e pequenas medidas protecionistas brotando por toda parte", afirma Hufbauer.
Na Europa, os planejados acordos de livre comércio com os EUA (Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, ou TTIP) e com o Canadá (Acordo Integral de Economia e Comércio, ou Ceta) são altamente controversos.
Globalização na fila de espera
"Os países pobres têm muito a perder se essa tendência continuar", avalia Kharas. "Os países em desenvolvimento se beneficiaram da globalização", afirma, citando como exemplos o aumento de investimentos, os melhores empregos e um aumento na importância dos sistemas de educação e saúde.
"Se o referendo do Brexit for mesmo o prenúncio de uma tendência mundial para uma integração econômica mais lenta, então isso seria um problema real para os países em desenvolvimento, especialmente os mais pobres", afirma o economista.
Na opinião dele, a globalização deve, por isso, ser concebida de modo que a ideia não seja rejeitada pela maioria da população nos países ricos, que economicamente definem o tom. "Não se trata de uma globalização mais rápida ou mais lenta, mas de uma globalização melhor."
Uma globalização melhor deve incluir também melhores mecanismos de distribuição de lucros. A ironia é que a UE persegue exatamente esse objetivo com seus fundos de financiamento para infraestrutura, indústria, agricultura e cultura.