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Brasileiros querem país sustentável, diz embaixador Corrêa do Lago

Nádia Pontes14 de junho de 2013

Perto de deixar o cargo, diplomata que representa o Brasil nas negociações internacionais do clima destaca dificuldades de alcançar acordo em reuniões na ONU e afirma que sustentabilidade pode ajudar a projetar país.

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André Corrêa do Lago falou com exclusividade à DW Brasil
Andre Correa do LagoFoto: DW/K. Rutkosky

Foram apenas dois anos à frente das negociações internacionais do clima em nome do Brasil. Depois de eventos marcantes, como a Rio+20, o embaixador André Corrêa do Lago se despede desse papel, em Bonn, na Alemanha. A cidade sediou até esta sexta-feira (14/06) a última reunião preparatória para a próxima conferência do Clima, marcada para novembro, na Polônia.

Ele falou com exclusividade à DW Brasil sobre os bastidores da negociação – são mais de 190 países tentando chegar a um acordo. O assunto, admite, é complicado. O embaixador considera a sociedade brasileira bem informada – mais do que a média. Ele vê como parte da briga contra o aquecimento global a exigência da população a favor de melhores condições no serviço de transporte público. "O governo sozinho não muda nada", admite.

DW Brasil:O Brasil acaba de confirmar o menor desmatamento na Amazônia da história. Como isso repercute nas negociações climáticas?

André Corrêa do Lago: Esse resultado do combate ao desmatamento no Brasil é muito importante. Porque você tem um país enfrentando o seu maior problema em termos de clima. Em 2004, o desmatamento correspondia a mais de 70% das emissões do Brasil. Então o país atacou o problema principal que ele tinha – e são raríssimos os que fazem isso. A maiora dos países vai atacando coisas laterais, e não o seu grande problema.

O resultado disso, o que eu acho que é muito impressionante para todos: existe um país em desenvolvimento que conseguiu reduzir [suas emissões], em termos absolutos, mais do que qualquer outro país. Existem casos de alguns países que reduziram suas emissões por causa de um grave problema econômico – que foi o caso da Rússia e de outros do Leste Europeu.

No caso do Brasil, é o primeiro que consegue reduzir suas emissões de forma significativa por políticas de combate às mudanças do clima. Então acho que isso é um momento muito importante nessa negociação porque não é uma coisa acidental, como foi no caso dos outros. A indústria russa não se acabou porque eles estavam querendo combater as mudanças do clima, mas sim por circunstâncias econômicas. E isso está sendo reconhecido de uma maneira unânime nessa negociação.

Isso influencia o papel do Brasil nas negociações internacionais?

O Brasil tem um papel muito importante nessa negociação desde o início. Porque o país sempre considerou que a negociação tinha que seguir certos parâmetros, o que acabou acontecendo: essa negociação tem que obviamente levar em consideração a mudança do clima, que é o principal, mas também as diferenças dos países. As diferenças históricas dos que contribuíram para o aquecimento global e as diferenças de capacidade que existem.

É por isso que a gente sempre fala que os países desenvolvidos, como são os maiores responsáveis pela mudança do clima por estarem há muitos anos emitindo, precisam disponibilizar recursos financeiros e tecnológicos para ajudar os países em desenvolvimento.

Isso tem sido muito debatido. Os países desenvolvidos não têm apenas muita relutância em diminuir suas emissões de maneira significativa, como também em dar dinheiro e transferir tecnologia às nações em desenvolvimento. E, apesar disso, as nações menos, favorecidas estão demonstrando um envolvimento e um desejo de fazer mais. E isso está se tornando um dos elementos mais interessantes da negociação nos últimos anos.

E como acontece essa guerra de bastidores?

Uma das coisas mais assustadoras dessa negociação, quando qualquer pessoa entra aqui, é que você tem dezenas de grupos negociando textos ao mesmo tempo. Isso representa um desafio muito grande para o mundo em desenvolvimento, porque você precisa de delegações grandes. E, em geral, só os países mais ricos podem ter uma delegação que permite que eles acompanhem todos os assuntos. Existem países que só podem acompanhar aquele um ou dois assuntos que são os principais para eles.

Como é que isso funciona? É preciso uma enorme solidariedade entre paises em desenvolvimento. Várias delegações chegam para a gente e dizem: " A gente não tem como mandar alguém para essa reunião, vocês podem, por favor, ver se essa minha preocupação está sendo contemplada no texto que está sendo negociado na sala 23, enquanto eu estou na sala 21?"

Então há uma solidariedade muito grande, um espírito extremamente interessante para fazer isso funcionar. O grande problema disso tudo é que é muito difícil transmitir isso para o público. E as pessoas, quando começam a ver como funcionam essas negociações, já começam a achar que nada avança, que é complicado demais. E, infelizmente, é mesmo muito complicado. Mas a boa notícia é que está avançando muito.

O que o Brasil quer?

O Brasil quer que o mundo olhe para a questão da mudança do clima como uma questão fundamental e que deve ser enfrentada de maneira muito séria. Os resultados da redução do desmatamento na Amazônia mostram muito isso. O Brasil não fez isso de maneira condicional: eu só faço isso se a Alemanha reduzir suas emissões de carvão, ou se os Estados Unidos diminuírem suas emissões.

O Brasil fez isso pela responsabilidade que ele considera que tem em relação ao assunto. Pouquíssimos países fazem assim. Então o Brasil tem uma posição muito particular nessa negociação, que não é só de ações políticas estruturadas como também uma enorme liderança pela ação. Isso apesar de ter muito menos recursos financeiros e tecnológicos que os países desenvolvidos.

Achamos que, nessa negociação, temos que enfrentar a realidade de que as mudanças do clima são um desafio para todas as economias, todos os países têm setores que estão provocando emissões e cuja transformação vai custar muito caro. Mas também existem muitos setores que podem ganhar muito, existem enormes oportunidades que estão se abrindo. Acho que o Brasil tem um potencial incrível de ser um dos países que mais poderá usar a sustentabilidade como uma das suas enormes vantagens comparativas.

Existe um interesse muito grande, inclusive na população brasileira, de que o Brasil seja um país mais sustentável. E isso vai ajudar a projetar o Brasil nos próximos anos como um país de liderança, um país muito contemporâneo, que leva essas preocupações principais do momento em seu desenvolvimento.

E a população pode ajudar exigindo mais que governos, prefeituras, sejam mais engajados, exigindo mais transporte público de qualidade, o que também ajuda a combater as emissões?

Exatamente. Essas negociações precisam ser traduzidas para o dia a dia das pessoas. Acredito que tanto essas negociações como as que resultaram da Rio+20, que colocam o desenvolvimento sustentável como base do crescimento de um país, têm que ser traduzidas para a população.

Governos sozinhos não podem implementar isso. Isso tem que ter o apoio da população, da indústria, da agricultura, dos governos locais, da sociedade civil, da academia, dos cientistas. Acho que esse exercício interno no Brasil, que está acontecendo, é que vai dar uma legitimidade para que esse padrão novo possa ser estabelecido no país.

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