Brasil vê chance no novo interesse pela energia nuclear
12 de junho de 2024No final do ano passado, durante a conferência climática COP28, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que a "energia nuclear está de volta" como uma alternativa no combate ao aquecimento global, que é originado pela queima de combustíveis fósseis.
Defensores da energia nuclear, como Macron, dizem que ela é uma fonte de energia limpa, pois produz níveis relativamente baixos de emissões de gases de efeito estufa em comparação com o petróleo, o carvão e o gás.
Mas o problema do descarte de resíduos nucleares, que podem permanecer radioativos por dezenas de milhares de anos, torna a energia nuclear controversa. E o risco potencial de um acidente nuclear, como já ocorreu em Tchernobil ou Fukushima ou como se teme possa ocorrer em Zaporíjia, não facilita as coisas.
Os críticos dizem ainda que a energia nuclear é muito cara e muito lenta para contribuir rapidamente para a redução das emissões e argumentam com os altos custos iniciais, o tempo de construção e os frequentes atrasos nos projetos nucleares, ao passo que energias renováveis, como a eólica e a solar, são relativamente rápidas de construir e oferecem retornos rápidos aos investidores.
Alta no preço do urânio
A evolução nos preços do urânio, que é a base dos combustíveis usados na indústria nuclear, mostram, porém, que, apesar das críticas, a opção nuclear vem sendo cada vez mais considerada por países que querem avançar na descarbonização de suas fontes de energia ou, numa tendência mais recente, se livrar da dependência de energia da Rússia.
Desde a guerra na Ucrânia, os fornecedores de combustíveis nucleares, tradicionalmente a Rússia e aliados, passaram a ser alvo de maior escrutínio, especialmente pelos países ocidentais. Em maio, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sancionou uma legislação para o fim das importações de urânio enriquecido da Rússia. A medida visa cortar uma fonte crucial de receita para Moscou, que possui quase metade da capacidade mundial de enriquecimento de urânio.
O resultado foi uma alta nos preços. Se há um ano a onça-troy do urânio era cotada em cerca de 50 dólares, ultrapassando os 100 dólares em fevereiro de 2024, nesta quarta-feira (12/06) ela gira em torno dos 80 dólares Além da questão envolvendo a Rússia, a instabilidade política no Níger, país africano que é outra fonte importante do material, também ajudou a alavancar as cotações.
"O urânio está recuperando rapidamente a credibilidade como solução para os desafios duplos da descarbonização e da segurança energética", avaliou uma equipe de especialistas do Bank of America.
Em seu estudo anual de 2024, a Associação Internacional de Energia (AIE) projetou que, até 2025, a produção de energia nuclear irá atingir um máximo histórico a nível mundial – ultrapassando o recorde anterior estabelecido em 2021. O movimento ocorre à medida que a produção de França aumenta, várias centrais no Japão são reiniciadas e novos reatores iniciam operações comerciais em muitos mercados, incluindo China, Índia, Coreia do Sul e Europa. A AIE espera que a geração nuclear global seja quase 10% maior em 2026 do que em 2023.
Além disso, o Bank of America avalia que o aumento do consumo de energia por data centers, parte importante dos novos desenvolvimentos da inteligência artificial, pode estimular ainda mais a demanda por urânio. "As novas construções nucleares nos Estados Unidos são um desafio, mas o aumento da capacidade das centrais existentes e as extensões das licenças de operação podem significar um aumento de 10% na demanda", pontua.
Oportunidade para o Brasil
Brasil, que detém a sexta maior reserva de urânio do mundo, pode se favorecer desse cenário. "A demanda crescente por energia nuclear, combinada com o recente banimento das importações de combustíveis nucleares da Rússia pelos Estados Unidos, pode criar várias oportunidades para o Brasil", afirma o diretor técnico da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAM), Leonam Guimarães.
"Esse cenário pode levar ao aumento dos investimentos no setor de mineração e enriquecimento de urânio no Brasil, que possui grandes reservas do minério", afirma Guimarães, que já presidiu a Eletronuclear.
"O Brasil pode se posicionar como um fornecedor alternativo de combustível nuclear para mercados que buscam reduzir sua dependência da Rússia", afirma o especialista. Na recente visita de Macron ao Brasil, o tema levou os governos a assinarem um acordo para a geração de energia nuclear.
Recentemente, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou a afirmar que o Brasil tem "mais urânio do que vale a Petrobras". O projeto de construção da maior usina de urânio do Brasil obteve a licença de localização da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
A mina de Santa Quitéria está localizada no Ceará, e há expectativa de que ela possa chegar a produzir 2,3 mil toneladas de urânio por ano. "A alta no preço do urânio no mercado internacional pode tornar a exploração dessas reservas ainda mais atraente", avalia Guimarães.
Para ele, o Brasil possui ainda um significativo potencial para se tornar um fornecedor de combustíveis do tipo HALEU (High-Assay Low-Enriched Uranium) para reatores avançados.
Outra aposta importante é na capacidade de avançar nos reatores de pequena escala. Silveira já disse que o Brasil precisa "plantar a semente" para estruturar a cadeia da produção com foco nos pequenos reatores. "Não podemos continuar acreditando que é razoável manter usinas a óleo diesel para atender comunidades isoladas", disse.
Dependência da Rússia
Atualmente, o Brasil importa uma parte significativa de seus combustíveis nucleares, justamente da Rússia. A Corporação Estatal de Energia Nuclear russa, a Rosatom, possui um acordo de fornecimento com o Brasil entre 2023 e 2027, representando 100% do combustível das usinas nucleares brasileiras de Angra no período.
Neste contexto, a Rosatom afirma que, até o final do último ano, a Rússia exportou para o Brasil 27,1 toneladas de urânio enriquecido, no valor de 18,9 milhões de dólares (cerca de R$ 95 milhões). Paralelamente, o Brasil importou 26,9 toneladas de urânio natural, no valor de 52,7 milhões de dólares (cerca de R$ 280 milhões).
Guimarães reconhece que "essa dependência cria alguns riscos estratégicos e operacionais". A instabilidade nas relações internacionais ou sanções podem interromper o fornecimento, afetando a operação das usinas nucleares brasileiras, como Angra 1 e Angra 2, pontua.
E os riscos?
Na Europa, a adoção da energia nuclear como uma alternativa limpa está longe de ser uma unanimidade: enquanto a França, comandada por Macron, é uma grande entusiasta, a Alemanha, que em 2022 anunciou o fechamento das usinas existentes, aparece como a principal oposição ao avanço da fonte de energia.
O principal risco são os acidentes nucleares, com as atenções, no momento, concentradas na Central Nuclear de Zaporíjia, na Ucrânia ocupada. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia oferece uma ameaça constate à essa central nuclear, que é a maior da Europa.
O coordenador e editor do Relatório sobre a Indústria Nuclear Mundial, Mycle Schneider, acrescenta um outro risco à já extensa lista: o aumento dos fenômenos climáticos extremos, como inundações, fortes tempestades e incêndios de grandes proporções.
"Há ainda a questão das secas e das altas temperaturas, que podem levar à falta de água para a refrigeração, o que não é necessariamente uma ameaça iminente à segurança, mas que pode ter um impacto muito significativo na segurança do abastecimento das instalações", pontua Schneider.
"Finalmente, há também muitas instalações nucleares, incluindo locais de eliminação de resíduos, em zonas costeiras, que podem ser ameaçadas pela subida do nível do mar ao longo do tempo", afirma o analista.
Schneider destaca ainda os riscos de disparadas dramáticas de custos ou até mesmo de inadimplência de alguns projetos. "O último projeto de construção nos Estados Unidos de dois reatores nas instalações de Vogtle, na Geórgia, atrasou mais de sete anos e acabou por custar cerca de 35 bilhões de dólares, bem mais do que o dobro previsto", aponta.
A Comissão de Serviço Público da Geórgia concluiu que os aumentos de custos e os atrasos "eliminaram completamente qualquer benefício com base nos custos do ciclo de vida".