Brasil, um país sequestrado
30 de setembro de 2020Caros brasileiros,
Antes da "era Bolsonaro", explicar o Brasil para estrangeiros muitas vezes se resumia numa frase só: o Brasil é mais do que samba e futebol. Vinte e um meses depois da posse de Jair Bolsonaro, eu mudaria a frase para: "O Brasil é mais do que Bolsonaro".
Parece que não há outro assunto. Não importa se é na mídia brasileira, na imprensa alemã ou internacional: só dá Bolsonaro. Senti o desafio na própria pele. Das 40 colunas minhas publicadas desde janeiro de 2019, 16 tratam da política dele.
Refletindo sobre esse fenômeno, me lembrei da "síndrome de Estocolmo". Parece que Bolsonaro, com a sua agenda política, sequestrou mentalmente o país. E uma grande parte da população brasileira se identifica com sua figura atormentadora e criou certa relação de afeto com ele.
Síndrome de Estocolmo
O termo "síndrome de Estocolmo" vem de um incidente em 1973 na capital sueca, quando um assaltante de banco fez quatro pessoas reféns e exigiu a libertação de um criminoso conhecido. Nas entrevistas depois do sequestro, que terminou sem mortos e feridos, para surpresa dos pesquisadores, os reféns demonstraram simpatia pelo sequestrador.
Segundo o então psicólogo da polícia sueca Nils Bejerot (1921-1988), que deu o nome a essa síndrome, a atitude faz parte de uma estratégia de sobrevivência das vítimas. Na esperança de que seu tempo de sofrimento diminua, por exemplo, elas criticam a polícia por negociações prolongadas. Na perspectiva dos reféns, se tivesse aceitado logo as exigências do sequestrador, já estariam livres.
Assim, as vítimas começam a apoiar as exigências do sequestrador. Essa submissão o faz se sentir cada vez mais poderoso. Cria-se um pacto entre o contraventor e as suas vítimas. Subconscientemente sabem que dependem dele, como uma criança indefesa que precisa da mãe para sobreviver, mesmo sendo maltratada por ela.
Vejo muitos paralelos com o Brasil atual, que parece estar preso a um governo que sequestrou o país. O cenário de florestas em chamas e valas comuns com vítimas da covid-19 é tão desastroso que a esperança irracional de muitos por uma saída recai justamente em um dos responsáveis por essa situação.
"Cuidando dos reféns"
Enquanto a situação se agrava cada vez mais, Bolsonaro mostra seu lado atencioso e, com o auxílio emergencial para milhões de brasileiros, "trata bem" os seus reféns. A estratégia funcionou: a aprovação dele cresce e faz qualquer tentativa de libertação impensável.
Um sequestro pode demorar horas, dias, semanas, meses e até anos. Às vezes, os reféns são libertados por militares ou tropas de elites, como foi o caso do "Landshut", um avião da Lufthansa com 91 passageiros que ficou durante cinco dias, entre 13 e 18 de outubro de 1977, nas mãos de terroristas palestinos. Ou da política colombiana Íngrid Betancourt, que ficou seis anos no poder dos guerrilheiros das Farc.
Em muitos casos, os sequestradores recebem a quantia de resgate exigida e, depois disso, soltam os reféns. Em outros, desistem e se rendem. Às vezes, os próprios reféns descobrem uma maneira de se libertar. Ou eles mesmo conseguem fugir do cativeiro.
Parece que essa última é a estratégia preferida dos brasileiros. Segundo estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil vem subindo no ranking dos países que mais enviam migrantes para economias mais ricas. É também graças a eles que continuo acreditando que o Brasil é mais que Bolsonaro.
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Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.