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Brasil ainda tem mais de 257 mil crianças trabalhando no setor doméstico

Clarissa Neher12 de junho de 2013

Estudo confirma estagnação do combate à exploração infantil, que teve avanços na década de 1990. No país, 3,7 milhões de crianças e adolescentes trabalham, e especialistas alertam que problema perpetua exclusão social.

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Foto: imago/Dieter Matthes

Um estudo divulgado nesta quarta-feira (12/06) apontou que o Brasil tem, atualmente, mais de 257 mil crianças trabalhando no setor doméstico – tido como uma das piores formas de trabalho infantil. O número confirma uma estagnação no combate ao problema, que, nas décadas anteriores, vinha registrando avanços significativos. A solução, segundo especialistas, passa por mudanças culturais e por investimentos em educação.

Divulgado no Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil, o relatório foi feito pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE. Ele mostra que a redução do trabalho doméstico em três anos foi pequena.

De 2008 para 2011, 67 mil crianças foram retiradas dessa condição, ou seja: a parcela representava 7,2% de todo o trabalho infantil e baixou apenas para 7%. A predominância no setor continua sendo de meninas (93,7%), e a maioria dos casos foi registrado nas regiões Nordeste e Sudeste.

"O trabalho infantil é multicausal e requer uma intervenção intersetorial. Algumas políticas têm dado mais atenção a esse problema do que outras, como a política de educação que ainda não incluiu esse na sua estrutura", afirma a secretária-executiva do FNPETI, Isa Oliveira. "A família precisa ser conscientizada de que esse trabalho não é a solução para uma condição de exclusão ou de dificuldades, pelo contrário, ele perpetua esse ciclo de exclusão e pobreza."

Na terça-feira (11/06), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou um relatório sobre o mesmo tema. O estudo revela que 10,5 milhões de crianças no mundo prestam serviços domésticos em casas de terceiros, muitas vezes em condições perigosas e análogas à escravidão. Como no Brasil, a grande maioria são meninas (71%).

Para a socióloga Irene Rizzini, professora da PUC-Rio e diretora do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI), a dificuldade no combate ao trabalho infantil se deve principalmente ao fato de sua causa estar relacionada a questões estruturais.

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Mais de 257 mil crianças trabalham no setor doméstico no paísFoto: imago/Jochen Tack

"Mais de 45% das crianças nascem abaixo da linha de pobreza e esse é um percentual muito elevado", afirma Rizzini, que ressalta que em regiões mais pobres e precárias, a mão de obra infantil é essencial para a renda familiar, tornando muito mais difícil erradicar essa situação. "A Convenção dos Direitos das Crianças e o Estatuto do Direito da Criança e do Adolescente são fundamentais, mas no Brasil há uma realidade onde não é possível proibir o trabalho e não por alguma coisa no lugar."

Dificuldades no combate

Cerca de 3,7 milhões de crianças entre 5 e 17 anos trabalham no país, ou seja, 8,6% da população nessa faixa etária. Em 1992, esse número era 8,4 milhões, o que correspondia a 19,6% do total.

Nas décadas de 1990 houve um avanço na redução desses índices, impulsionados por novas legislações e políticas públicas, que mobilizaram a sociedade civil contra a entrada precoce de crianças e adolescentes no mercado de trabalho.

Mas, a partir de 2005, houve uma desaceleração nesse processo, e agora persistem as formas mais difíceis de serem erradicadas: o trabalho infantil doméstico, rural, no comércio informal ou ilícito, como no tráfico de drogas, e a exploração sexual de crianças e adolescentes.

"Essas formas de exploração são as mais difíceis e complicadas de serem combatidas, pois são atividades onde não basta atuar na fiscalização e muitas vezes estão à sombra da sociedade", afirma Leonardo Sakamoto, presidente da ONG Repórter Brasil.

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Crianças que trabalham podem ter problemas de saúde e psicológicosFoto: picture-alliance/dpa

Para especialistas, a erradicação do trabalho infantil no país depende de investimentos em educação de qualidade, voltada para a necessidade da criança na região onde vive, e de uma mudança cultural na forma de se perceber essa atividade.

"Por mais que no Brasil o trabalho infantil seja visto como algo ruim, ainda existe o discurso de que é melhor criança trabalhando do que cometendo alguma ilegalidade, como se a vida fosse esse maniqueísmo. Há também a discussão de que o trabalho enobrece, forma caráter. Mas trabalho infantil não é hereditário", afirma Sakamoto. "Há uma questão cultural, é preciso mudar a cabeça das pessoas com relação ao que é o trabalho infantil e os impactos que ele causa."

Futuro em risco

O trabalho na infância apresenta uma série de riscos. Essas crianças ficam vulneráveis à violência física, psicológica e sexual e muitas vezes são expostas a condições de trabalho abusivas. "Algumas vezes o trabalho é menor violação que ela está sofrendo", diz Rizzini.

Essas crianças tendem a apresentar um rendimento escolar inferior e, no futuro, terão dificuldade para se inserir no mercado de trabalho em um emprego melhor. Na vida adulta, elas podem apresentar vários problemas de saúde e psicológicos.

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Brasil pretende eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2016Foto: picture-alliance/Godong

O Brasil pretende eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2016 – 90 atividades fazem parte da lista criada em 2008, entre elas o trabalho doméstico – e erradicar a totalidade até 2020. Sakamoto acha difícil o cumprimento dessas datas, pois ainda há muito a ser feito.

"O governo não está preparado para agir na questão educacional e cultural", afirma.

O trabalho é proibido para menores de 14 anos no país. Entre os 14 e 15 anos, ele é permitido na condição de aprendiz e, entre 16 e 17, ele é liberado, mas desde que não comprometa a atividade escolar e as condições não sejam prejudiciais à saúde.