Brasil está mais resistente

Os países da América Latina se tornaram menos dependentes da economia dos Estados Unidos, situação que os favorece na atual crise financeira mundial. É o que afirma o especialista em assuntos latino-americanos Nikolaus Werz, da Universidade de Rostock.

Em entrevista à DW-WORLD, Werz disse que foram os altos preços das matérias-primas que diminuíram a dependência dos latino-americanos da economia dos Estados Unidos.

Para ele, o Brasil é um país mais resistente à atual crise do que muitos de seus vizinhos. No México, no Chile e na Colômbia, que cooperam de forma mais acentuada com os Estados Unidos, os riscos advindos da crise seriam maiores, avalia o especialista.

Ele também se declarou cético em relação ao sucesso de instituições como a Unasul e o Banco do Sul. "Com base em experiências anteriores sobre a integração latino-americana, é necessário ser um pouco cético. Na América Latina não há poucas, mas muitas uniões regionais. Em parte, elas se contradizem."

DW-WORLD: Como o senhor vê a crise em todo o mundo?

Nikolaus Werz: A crise foi inicialmente subestimada. As recentes declarações do presidente George W. Bush dão a entender que as dimensões são maiores do que se supunha. Certamente ainda nos ocuparemos por mais tempo com essa crise. Em relação à América Latina, deve-se considerar que os países latino-americanos se tornaram, em alguns aspectos, menos dependentes dos Estados Unidos e do mercado americano nos últimos anos devido aos altos preços das matérias-primas, principalmente desde 2003.

A situação é semelhante em todos os países latino-americanos?

Há diferenças. Os desafios são maiores no México, por exemplo. Antigamente dizia-se que, quando os Estados Unidos espirram, a América Latina tem logo uma tosse ou até mesmo uma pneumonia, e hoje isso vale apenas para os países que cooperam de forma mais acentuada com os Estados Unidos, o que vale para o México ou, em menor escala, o Chile e a Colômbia. Outros países seriam afetados se os preços das matérias-primas caírem, mas não há evidências de que isso venha a acontecer.

E o Brasil?

Nos últimos meses, o Brasil vem desenvolvendo cada vez mais uma posição própria nas suas relações externas. Durante muito tempo não se sabia onde os brasileiros estão. Eles querem manter boas relações com os Estados Unidos, com os demais países latino-americanos e com a Europa. Do ponto de vista do país, isso faz sentido, já que é um mercado enorme, praticamente um continente. Pode-se esperar alguma coisa do Brasil, já que o país é mais resistente a crises que outros países latino-americanos.

O pacote do presidente Bush poderá ter consequências nos mercados latino-americano?

Num primeiro momento, o anúncio do pacote acalmou as bolsas, mas essa calmaria durou apenas dois ou três dias. A pergunta é complicada porque em aspectos econômicos a maior parte dos países latino-americanos, e especialmente os mais bem-sucedidos, se alinharam muito mais ao modelo de economia de mercado americano do que do modelo europeu e principalmente alemão de economia social de mercado. Essa também será a questão no futuro: se os países latino-americanos vão se orientar por um modelo puramente econômico ou por modelos europeus de bem-estar social.

Que papéis terão novas instituições como a Unasul e o Banco do Sul? Elas podem ser um escudo contra essas crises?

Essa é a esperança que muitas pessoas depositam nessas iniciativas. Mas, com base em experiências anteriores sobre a integração latino-americana, é necessário ser um pouco cético. Na América Latina não há falta, mas excesso de uniões regionais. Em parte, elas se contradizem.

Sou muito cético nesse aspecto. No passado, a forte presença do Estado, como no caso da Unasul ou das propostas do presidente Hugo Chávez, não funcionou. A onda de privatizações dos anos 80 e 90, aquilo que na América Latina se chamou de neoliberalismo, foi também uma reação a um Estado que não funcionava mais. No futuro, é importante encontrar um meio-termo. E isso seria uma ordem política decente, freqüentemente ausente na América Latina no passado.