Caros brasileiros,
às vezes, é simplesmente dor e tristeza. Aquela dor que cobre a alma, causa revolta e, ao mesmo tempo, faz surgir um sentimento de impotência. Estou falando do racismo que parece se esparramar em velocidade máxima no mundo inteiro. E estou falando de brancos como eu que poderiam ter feito mais para combater o problema.
No Brasil, João Alberto Freitas, o menino Miguel, de 5 anos, que caiu do nono andar quando estava sob a guarda da empregadora de sua mãe, a vereadora Marielle Franco e tantos outros foram vítimas da violência fatal do racismo.
Enquanto isso, na Alemanha, há atentados contra migrantes e judeus, agressões contra refugiados e ofensas racistas contra pessoas que "não parecem alemãs". Em fevereiro deste ano, um alemão de 43 anos matou nove pessoas em dois bares de narguilé na cidade em Hanau por motivação racista e chocou o país.
Cada vez que o racismo se manifesta aparecem vozes que procuram minimizá-lo. No Brasil, o vice-presidente Hamilton Mourão recentemente declarou que "não existe racismo no país".
Na Alemanha, numa cerimônia para honrar mortos nos atentados de Hanau, o presidente Frank-Walter Steinmeier reconheceu que "o racismo existe em nosso país". Mas ele ressaltou que comportamentos racistas são praticados apenas por uma minoria.
Confesso que durante muito tempo queria acreditar nisso. Achava que na Alemanha o racismo fosse combatido e que no melting pot Brasil sequer existia. Até porque o meu marido, brasileiro, de pele escura, estava convencido de que no Brasil não havia racismo como nos EUA ou na Alemanha. De que no Brasil o problema era social, e não racial.
Ele me dizia que nunca tinha sofrido nenhuma discriminação racial no Brasil, apesar de todas as dificuldades que passou. A única agressão racista que sofreu foi justamente aqui na Alemanha, numa estação de metrô em Berlim, quando um neonazista cuspiu no rosto dele. Ele ficou estarrecido, e eu, revoltada e envergonhada.
Cheguei à conclusão que não adianta dizer que o racismo é melhor ou pior neste ou naquele país, neste ou naquele lugar. Se ele é velado, discreto, negado, institucionalizado, cotidiano ou enraizado. Ele simplesmente existe em todos os países e em todos os lugares.
E ele sempre aparece quando menos se espera. Há poucos dias, minha filha sofreu uma agressão racista em Portugal. O morador de uma vila disse que ela não podia estacionar o carro num determinado lugar e a mandou "voltar para os macacos" e que Portugal não era uma "república das bananas". Ou seja, ele não gosta de brasileiras e brasileiros e continua demonstrando uma atitude colonizadora frente ao Brasil.
Filha ofendida é mãe ofendida. Não importa qual é a cor da sua pele, o racismo é como um vírus, ele se espalha e vai infectando cada vez mais pessoas. Até o ultimo cantinho dos brancos que achavam que não têm nada a ver com isso, ele vai chegar. O único remédio que enxergo é aumentar os anticorpos.
A resistência vem de uma sociedade civil que não permita que se banalizem comportamentos e atitudes racistas. De uma Justiça que coloque em prática uma legislação antirracista. De uma polícia que defenda o Estado de direito e demonstre ter caráter, como fizeram os policias em Miami que se ajoelharam e rezaram por George Floyd junto com manifestantes.
E de políticos jovens alemães, como a deputada Animata Touré. Ela é a primeira vice-presidente afro-alemã de uma assembleia legislativa estadual, de Schleswig-Holstein. "Não adianta apontar o dedo para o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD)", diz ela. "Chega de negar o problema, todo mundo tem que encarar o racismo." Ela tem razão. Preciso me empenhar mais.
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Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.