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"Bolsonaro deseja a convulsão social para forçar ruptura"

11 de julho de 2022

Em entrevista, jurista diz que retórica de Bolsonaro incentiva casos de violência política como o assassinato de petista no PR e que presidente quer inflamar cenário político para criar condições de ruptura institucional

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Camiseta em apoio a Jair Bolsonaro
"Se falarmos em termos mais amplos, de uma responsabilização moral, o presidente de fato inflama os apoiadores dele a colocarem em prática a eliminação do opositor político", diz MeyerFoto: Getty Images/AFP/C. De Souza

O assassinato do tesoureiro do PT e guarda municipal Marcelo Aloizio de Arruda, em Foz do Iguaçu (PR), nesse domingo (10/07) por um agente penitenciário bolsonarista foi encarado com choque pela classe política não alinhada com o presidente e levantou temor de mais episódios de violência numa pré-campanha eleitoral que já registrou vários incidentes e momentos de tensão.

Nas últimas semanas, eventos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já haviam sido alvos de ataques. Num deles, um drone lançou um líquido fétidos contra apoiadores petistas em Uberlândia (MG). Em outro, uma bomba caseira foi detonada num ato de Lula no Rio de Janeiro. Já o asssino de Abreu, o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho replicava fielmente nas redes a cartilha bolsonarista,

Na semana passada, o Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil (Demos), entidade que une mais de 30 especialistas de diversas áreas, denunciou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos os ataques feitos por Jair Bolsonaro às instituições, incluindo judiciário, imprensa e movimentos sociais.

Em entrevista à DW Brasil, o advogado Emilio Peluso Meyer, membro do Comitê Executivo do Demos e professor de Direito Constitucional da UFMG, afirma que há uma ligação entre o discurso de Bolsonaro que inflama apoiadores a cometer atos de violência contra opositores e os planos de uma ruptura institucional.

Além disso, Meyer diz que o atual presidente pode ser responsabilizado pela escalada de violência política e que um risco de um atentado terrorista ao ex-presidente Lula deve ser levado à sério.

DW Brasil: A escalada da violência política no Brasil teve mais um capítulo nesse domingo, com o assassinato de Marcelo Arruda, tesoureiro municipal do PT, por um bolsonarista. Como a violência política está interligada ao próprio modus operandi do governo Bolsonaro?

Emilio Peluso Meyer: Nós observamos um padrão no governo Bolsonaro, na retórica do presidente, muito de entender o processo político como se ele fosse um processo em que o dissidente político ou aquele que se opõe politicamente tenha que ser eliminado do processo político.

Esse tipo de discurso não se centra apenas no sentido de tirar do processo político a oposição, a esquerda, ou quem quer que seja o inimigo do momento, mas também é atuar de uma forma em que eventualmente a supressão passe por uma supressão física de fato.

Basta lembrar de um discurso do presidente, em outubro de 2018, que ele dizia que tinha que levar os membros do Partido dos Trabalhadores "para a ponta da praia", numa alusão a um termo da época da Ditadura que se referia ao local para o qual eram levados corpos de dissidentes políticos que eram eliminados pelo sistema repressor.

Quando essa retórica se torna recorrente, ela vai ter um efeito político que vamos perceber no crescimento da violência política.

Quando isso é transmitido por uma figura pública que ocupa a Presidência da República, a capacidade de um indivíduo de receber aquela informação e achar que ele precisa colocar aquela informação em prática é muito maior. Ela ganha contorno de seriedade, de algo que pode ou deve necessariamente acabar acontecendo, como foi no caso desse domingo.

O presidente Jair Bolsonaro pode ser responsabilizado diretamente por esses casos de violência?

Se falarmos em termos mais amplos, de uma responsabilização moral, o presidente de fato inflama os apoiadores dele a colocarem em prática a eliminação do opositor político.

Ele é um presidente que o tempo inteiro trabalhou para criar, através de decretos, a possibilidade de um amplo acesso a armas no Brasil.

E esse acesso torna muito possível para o indivíduo que está sempre sendo pressionado para pensar que a política tem que ser trabalhada de uma forma violenta, que ele deve tomar uma atitude quando se sentir agredido ou ofendido porque, por exemplo alguém resolveu celebrar o aniversário com uma foto do ex-presidente Lula.

Esse tipo de atitude por parte do Bolsonaro rende no mínimo uma responsabilização moral. Mas deveríamos estar em condição de pensar em responsabilização política, mas, numa Câmara dos Deputados dominada pelo Centrão e pela lógica do orçamento secreto, isso é impossível até o final deste ano.

Na última semana, um atentado matou o candidato e ex-primeiro ministro japonês Shinzo Abe. Quais os riscos de algo dessa magnitude acontecer nas eleições brasileiras? Lula, que costuma ser o maior alvo dos bolsonaristas, corre algum risco?

Corre sim, com certeza. Se o próprio presidente Bolsonaro, candidato em 2018, se tornou alguém vulnerável em termos de um atentado político, muito mais se torna alvo uma pessoa como Lula.

Basta pensar que o ex-presidente tem um impacto imenso na história política brasileira de pelo menos 40 anos, chegando no final da ditadura, com o movimento sindical, que foi fundamental para o fim daquele regime. É fundamental que o ex-presidente e o Partido dos Trabalhadores tomem todas as cautelas e procurem assegurar ou manter a integridade dele, assim como a segurança, no mínimo até o final deste processo eleitoral.

Você mencionou a facada sofrida por Bolsonaro em 2018. Existe uma diferença desse atentado em relação aos ataques contra o PT nas últimas semanas? Ou é tudo parte de uma guerra política?

O caso brasileiro sempre foi de ampla insegurança pública e política, que tinha e produzia efeitos em diversas camadas populares, mas que hoje chega em um nível mais alto. Ela já existiu no curso do século 20, mas talvez a transição de 1987 para 1988, que gerou a Constituição Federal, tentou jogar água na fervura com conciliações, algumas delas até com cursos ruins para o processo político como um todo.

Mas isso fez com que essa violência política num nível federal arrefecesse por um período. Não tínhamos essa preocupação nas décadas de 1990 e 2000.

Talvez de 2014 para frente, com a Operação Lava Jato, com a ideia de que a corrupção da política precisava de uma solução imediata e definitiva, criou as condições para que esse discurso mais violento na arena política tivesse mais espaço. Então, esse discurso passa a ocupar um papel central no curso da política brasileira e você tem algo como o atentado contra Bolsonaro em 2018. A facada tem que ser levada a sério por ser uma situação de violência política.

A consequência disso é que você vai ter um aumento grave em relação à forma de se reagir a isso. Ou seja, no raciocínio bolsonarista, se o presidente já foi esfaqueado, será que não resta aos apoiadores dele apelarem para a violência? Parece plausível no discurso dele.

Bolsonaro voltou a citar a facada neste domingo. Disse que dispensa o apoio de pessoas que cometem atos de violência contra adversários, mas em seguida passou a atacar ele mesmo a esquerda, afirmando que ela é responsável por episódios violentos. Como o senhor encara essa posição?

O bolsonarismo, como movimento político, normalmente acusa os opositores de práticas que ele mesmo costuma empreender. Esse é um ponto fundamental.

Não estou dizendo que militantes ou membros do PT não tenham, no passado, alguma vez se apresentado como a única opção política possível. Isso pode ter acontecido, mas não é fator determinante para criar essa polarização que parte para a prática de atos de violência.

Não se via esse tipo de retórica sendo amplificada pelo ex-presidente Lula ou pela ex-presidente Dilma Rousseff. Acho que é um tipo de acusação frágil, mas que faz parte da construção de certos fantasmas, justificativas para aquilo que tem acontecido recentemente.

Na verdade, o que percebemos é que essa polarização foi se estabelecendo num nível intolerável e não sei faz sentido, para o processo atual, tentar encontrar a semente disso tudo. O que faz sentido atualmente é perceber quem são as pessoas que acham importante que a violência ganhe corpo na política brasileira. Essa é que a questão.

E eu não vejo, no amplo espectro político brasileiro, de mais de 30 partidos, que isso não venha a não ser do próprio presidente e dos que estão no seu entorno mais próximo. E aí, com uma certa tolerância de instituições como as próprias Forças Armadas, que também não procuram se dissociar desse tipo de discurso.

Seria essa violência física um primeiro passo para um golpe institucional por parte do Bolsonaro? É uma conexão direta?

A conexão é fundamental. Ela é direta no seguinte sentido: o que é necessário para que o presidente da República tome uma decisão mais drástica ou se sinta justificado para tomar uma decisão como um decreto de estado de defesa ou de estado de sítio?

O que o presidente deseja é a convulsão social, que ele seja justificado a tomar uma decisão drástica porque ele não tem controle do que tem acontecido no país. Não dá pra dizer que o presidente deseja ou desejou o que aconteceu nesse domingo. Não acho que isso seja algo que seja possível perceber na sua ação direta.

Mas a consequência de fatos como esse é que você tem um cenário político muito mais inflamado, que pode pressionar ou criar as condições para que o presidente tome uma decisão de levar a uma ruptura institucional.

Inflama-se um discurso político, promete-se e amplia-se o acesso a armas no país, inflama-se a ação política por parte das Forças Armadas e de segurança (policiais militares, civis, rodoviários, federais). Cria-se então esse contexto todo de uma amplificação recorrente do que seria caos político. Para quê?

Só tem uma finalidade: a ruptura constitucional. E não estamos imaginando demais. O presidente quer isso, deseja isso. Ele não quer outra alternativa.

E qual seria a saída para fugir de uma ruptura institucional?

Espero que o triste fato desse domingo traga prejuízos políticos para o presidente da República e para quem apoia esse tipo de violência em termos físicos. O fundamental é que autoridades, nos mais diversos poderes, parem com aquela tentativa de buscar soluções de conciliação para atitudes de ampla violência, que têm de ser rechaçadas de uma maneira efetiva.

Acho que tem um papel fundamental a ser cumprido pelos presidentes da Câmara e do Senado, que infelizmente se omitem em diversas dessas ocasiões, acho que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm tido uma postura mais contundente nesse aspecto.

E aí é fundamental que a população perceba que a crítica ao Supremo e ao TSE é só o que o presidente deseja – essas instituições todas têm restrições, têm problemas, mas são essenciais para o funcionamento da democracia no Brasil.