Berlim pode ter prefeito de sotaque estrangeiro
17 de outubro de 2014Os três homens que estão competindo pela prefeitura de Berlim, após a renúncia de Klaus Wowereit, têm muito em comum. Todos ocupam cargos de responsabilidade no Partido Social-Democrata (SPD), apesar de ser relativamente jovens. Todos, também, passam uma impressão de competência profissional.
E possuem planos semelhantes para a cidade, incluindo solucionar o problema do Aeroporto Internacional Berlim-Brandemburgo, cujas obras estão há anos atrasadas e que foi uma das principais razões para Wowereit renunciar ao cargo.
Contudo, para se diferenciar dos demais basta Raed Saleh abrir a boca. Filho de palestinos, o político chegou à Alemanha aos cinco anos de idade. E, embora seu alemão seja irrepreensível, carrega um distinto sotaque árabe. "Berlim é a cidade da diversidade, com cerca de cem sotaques diferentes", disse Saleh em entrevista à DW. "As pessoas vão ter que se acostumar com o meu."
Assim, o político social-democrata estabelece um slogan que compete em franqueza e simpatia com seu correligionário Wowereit. Em 2001, ao confirmar publicamente sua condição de homossexual, o ainda prefeito, hoje com 61 anos, pontificou: "Sou gay, e está bem assim."
Raed Saleh admite que teve que superar algumas resistências iniciais dentro de seu próprio partido, ao começar sua carreira política. Mas aprendeu a encarar com senso de humor os comentários sobre seu sotaque.
Lançado como candidato-surpresa à prefeitura, o político de 37 anos emergiu como uma espécie de azarão. Seja como for, ele irradia confiança. "Berlim é o lugar onde ser diferente se tornou normal. "Em Berlim, orientação sexual, origem étnica ou deficiência física não tem importância. Minha Berlim é vibrante e tolerante."
Mas Berlim estará pronta para ser liderada por um político de origem árabe? É o SPD que vai decidir.
"Seria uma grande surpresa"
O sucessor de Wowereit não será eleito pelo senado da cidade-estado, nem por votação popular. Os 17.200 membros do SPD deram preferência por um sufrágio interno, por correio, e seus parceiros da coalizão municipal, os democrata-cristãos, prometem apoiar o candidato social-democrata.
Assim, o próximo prefeito berlinense será definido efetivamente neste sábado (18/10), com a computação dos votos. Os concorrentes de Saleh ao cargo são o presidente do partido no estado de Berlim, Jan Stöss, e Michael Müller, amigo íntimo de Wowereit. Ele é considerado favorito, apesar de Saleh ter conquistado terreno.
"Seria uma grande surpresa, uma façanha, até, se Saleh vencer a votação entre os membros do SPD", comentou à DW o redator-chefe de política do jornal Berliner Zeitung, Jan Thomsen. "Não acho que ele vá conseguir, mas acredito que chegará em um respeitável segundo lugar. Ele tem ido surpreendentemente bem em suas aparições públicas, é genuíno e oferece uma nova perspectiva a Berlim, como lugar de mobilidade social ascendente."
Thomsen considera os social-democratas tolerantes o suficiente para alguém com ascendência estrangeira como Raed Saleh, porém a cidade como um todo talvez não o seja. "O SPD de Berlim está pronto para aceitar um jovem muçulmano alemão com sotaque? Sim, mas ainda acho que os membros optarão por uma escolha mais segura e mais convencional", especula o jornalista. "De qualquer modo, as chances de Saleh são melhores entre os membros do SPD do que entre os moradores de Berlim, como um todo. É por isso que ele está tentando usá-los agora."
Saleh aposta numa longa tradição de progressismo social-democrata. "Estou convencido de que o meu partido, que tem sido sinônimo de solidariedade e liberdade há 150 anos, também não vai me decepcionar agora", aposta. "Meu partido é muito aberto."
A opinião das ruas
Como não haverá pleito popular direto, não existem enquetes que indiquem qual candidato os cerca de 3,4 milhões de habitantes da capital alemã – dos quais 15% vem do exterior – prefeririam como prefeito de sua cidade.
De fato: na feira quinzenal de alimentos e tecidos no canal Landwehr, no bairro de Neukölln, um conhecido epicentro da Berlim multicultural, ninguém parecia ter ouvido falar de Saleh ou ter conhecimento de que os membros do SPD estão escolhendo o próximo prefeito da cidade. "Não tenho nenhuma ideia de quem é esse homem", disse uma mulher numa banca de frutas e legumes, ao ser indagada o que achava da candidatura de Raed Saleh.
Nenhum dos feirantes do BiOriental – ou o "mercado turco", como é conhecido popularmente há décadas – pareceu incomodado com a ideia de um homem de sotaque árabe completar o mandato de Wowereit, que vai até 2016. O sentimento geral era: competência é mais importante do que origem. "Não me importa quem seja prefeito", disse um vendedor de tecidos." O principal é que o aeroporto fique pronto algum dia."