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Bachelet volta ao poder com "50 compromissos" e inúmeros desafios

Fernando Caulyt10 de março de 2014

Socialista elaborou lista de promessas para melhorar qualidade de vida no Chile em seus primeiros cem dias de mandato. Mas, com baixas no governo antes mesmo da posse e resistência no Congresso, deve ter caminho difícil.

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Foto: Martin Bernetti/AFP/Getty Images

Após ter governado entre 2006 e 2010, a socialista Michelle Bachelet volta nesta terça-feira (10/03) à Presidência do Chile com o desafio de dar uma resposta às demandas sociais, sobretudo às dos estudantes, e de superar quatro baixas sofridas por seu Gabinete antes mesmo da posse.

A mobilização estudantil começou um ano após Bachelet deixar o poder e logo se tornou um dos protestos mais intensos desde a volta do Chile à democracia. E o mérito da presidente em sua campanha foi justamente ter incorporado – ao menos através de promessas – parte das reivindicações das ruas.

Para seus primeiros cem dias de governo, ela elaborou os "50 compromissos para melhorar a qualidade de vida de todos no Chile", que incluem desde a criação de um Ministério da Mulher e dos Assuntos Indígenas até o que chamou de a "Grande Reforma Educativa", proposta que pretende enviar logo ao Congresso.

A relação com os movimentos sociais, porém, é complexa. E derrubou duas das vice-ministras designadas por Bachelet antes mesmo de assumirem o cargo. No sábado (08/03), renunciou Carolina Echeverría, da Secretaria de Defesa, após ser questionada por associações de direitos humanos pelo vínculo de seu pai com a ditadura.

Antes dela, Claudia Peirano, que havia sido indicada para a Subsecretaria de Educação, deixou o cargo após ser questionada pelo movimento estudantil por não apoiar a gratuidade plena do sistema. As outras duas baixas foram a de Hugo Lara, subsecretário de Agricultura que enfrenta processo por delitos econômicos; e de Miguel Moreno, do Ministério de Bens Nacionais, condenado por molestar uma mulher no metrô.

Obstáculos

Pôr em prática o que pretende não será tarefa fácil para Bachelet, que prometeu, além de tornar o sistema educacional totalmente gratuito, aumentar de forma progressiva os impostos das empresas para arrecadar mais de 8 bilhões de dólares e reformar a Constituição.

Mesmo com uma base governista que conta com 67 deputados e 21 senadores – contra, respectivamente, 49 e 16 da oposição –, Bachelet terá que negociar a aprovação de parte de seu programa de campanha com a oposição.

Proteste von Studenten in Chile Oktober 2013
Bachelet deverá ser alvo de manifestações de estudantes, caso não leve a cabo promessas feitasFoto: Reuters

A presidente não deverá ter problemas para aprovar a reforma tributária – que precisa de 61 votos na Câmara e 20 no Senado. Porém, para a reforma da Educação (69 deputados e 22 senadores) e para a reforma constitucional (80 deputados e 25 senadores), Bachelet terá que garantir o apoio da futura base governista e de deputados independentes e senadores simpáticos às causas.

"Bachelet tem uma agenda mais ousada e menos clareza se vai conseguir bases políticas para aprovar as reformas. Ao mesmo tempo, ela tem uma força na sociedade, que chancelou a vitória nas urnas", afirma o cientista político Valeriano Costa, da Unicamp. "Esse é um cenário interessante, já que o Chile é um país de política estável e clara quanto à competição dos diferentes grupos políticos. Essa clareza traz certa estabilidade e, também, dificuldades de realizar mudanças."

Ao passo que tenta aprovar os projetos, a presidente deverá estar sobre constante pressão. Por um lado, os estudantes prometem não descansar enquanto as medidas – principalmente a educação gratuita – não forem implementadas. Por outro, os oposicionistas deverão tentar barrar a aprovação das promessas de Bachelet e fazer de tudo para enfraquecer o governo de centro-esquerda.

Políticas sociais

Apesar de o Chile ser tido como um país-modelo na América do Sul em relação ao desenvolvimento econômico, as políticas sociais das últimas duas décadas não acompanharam o crescimento. Um dos exemplos é o sistema educacional, que foi privatizado durante o regime de Augusto Pinochet (1973-1990), e hoje centra as reivindicações dos jovens.

Famílias chegam a contrair dívidas de milhares de pesos chilenos para pagar a educação de seus filhos, mesmo que eles estudem em universidades estatais – já que a educação, no país, é administrada por parcerias público-privadas. As universidades públicas chegam às vezes a cobrar mensalidades mais altas do que as instituições privadas.

A economia chilena cresceu em média 5,6% durante os quatro anos do governo Sebastián Piñera, mas apesar de ter reduzido levemente as desigualdades sociais, não foi suficiente para mudar o panorama geral. Segundo um estudo de 2013 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a renda dos 10% mais ricos no país é 27 vezes maior do que a dos 10% mais pobres. Entre as 34 economias da entidade, a chilena aparece em último lugar no ranking.

Augusto Pinochet
O ex-ditador Pinochet privatizou o sistema de educação e saúde no ChileFoto: picture-alliance/dpa

"O modelo do ponto de vista econômico trouxe consequências muito positivas para o país", afirma José Niemeyer, coordenador da graduação em Relações Internacionais do Ibmec/RJ. "Mas uma sociedade não vive só de desenvolvimento econômico, é necessário desenvolvimento político e social. O Chile tem muitas reformas a fazer para se obter um progresso social."

Mesmo que a presidente não tenha feito muito para reduzir a desigualdade em seu primeiro mandato (2006-2010), a candidata já deixa claro antes de seguir para o segundo que o plano para tentar tornar mais igual a sociedade está traçado, mesmo que um aumento de impostos para empresas possa de alguma forma influenciar o desenvolvimento econômico.

"Fomos capazes de reduzir a pobreza, aumentar a mobilidade social e melhorar as condições de vida. Mas a desigualdade ainda é um desafio", disse Bachelet em recente entrevista ao jornal "Washington Post".