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Até onde vai seu antirracismo?

Ynae Lopes dos Santos
Ynaê Lopes dos Santos
25 de novembro de 2021

Tuítes ou camisetas em prol da Consciência Negra não bastam. A luta antirracista deve ser entendida como um par de lentes que é preciso usar o tempo todo para ver o mundo. A luta é de todos, todos os dias.

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Pés negros vestem sandálias Havaianas brancas
"Enquanto houver fome, genocídio e chacinas, haverá racismo, com toda sua potência"Foto: Fabio Teixeira/ZUMAPRESS/picture alliance

Estamos nos encaminhando para o fim do mês de novembro. Um mês que se tornou o mês da Consciência Negra no Brasil. Consciência esta que é fruto de um longo e inacabado processo da luta dos movimentos negros brasileiros, que se recusaram a aceitar as boas intenções de uma Abolição dadivosa. E que vasculharam nosso passado com lupas de quem anseia por justiça e transformação, trazendo personagens que pareciam estar submersos nesse mar de racismo no qual flutuamos.

Neste mês, tive a felicidade de fazer parte de uma ação histórica, feita por integrantes da Rede de Historiadorxs Negrxs de todo o Brasil, que ocuparam mais de 25 veículos de comunicação de todo o Brasil – inclusive esta coluna da DW Brasil –, trazendo histórias de brasileiros e brasileiras pouco ou nada conhecidas. Histórias que de certa maneira são contadas a partir do 20 de Novembro (aniversário da morte de Zumbi dos Palmares), mostrando que o Brasil também é aquilombamento, como nos ensina Beatriz Nascimento. 

Tivemos também a estreia no Brasil do tão aguardado Marighella, filme dirigido por Wagner Moura e estrelado por Seu Jorge. Um filme que nos chama para a urgência de repensar e exigir políticas públicas para o audiovisual brasileiro (que sofre aberto desmonte), e que por meio de um olhar crítico e uma narrativa instigante não nos deixa esquecer: o inimigo número um da ditadura militar brasileira era um homem negro, filho de uma mulher de origem hauçá e de um italiano. 

Como já tem ocorrido, o protagonismo negro e a urgência da luta antirracista ficaram mais visíveis neste mês de novembro. Lives, palestras, filmes, séries, publicações de livros, tuítes, posts no Instagram... Parece que dá até para respirar aliviado. Será mesmo?

Infelizmente não.

O racismo não dá trégua

Se engana quem acha que o racismo dá trégua. Essa engrenagem que nos move desde o início da Modernidade não para nunca. 

Mesmo em meio a tantas lutas, lá está o racismo, silencioso e eficiente na sua exploração e marginalização sistêmicas. Neste mesmo mês de novembro, professores denunciaram que seus alunos estão desmaiando de fome no meio de suas aulas. Crianças (negras em sua maioria) estão passando FOME. Neste mesmo mês de novembro, a FioCruz foi proibida pela Funai de prestar assistências às crianças yanomami, que estão morrendo de fome e/ou em decorrência da malária, dois males cujos remédios são conhecidos e facilmente aplicados. Uma atitude que só reforça a histórica postura genocida do Estado brasileiro em relação às populações indígenas. GENOCÍDIO.

Neste mesmo mês de novembro, mais uma chacina assolou o estado do Rio de Janeiro. Mais de 20 pessoas, moradores de Salgueiro, em São Gonçalo, foram assassinadas em meio a uma ação da polícia militar. CHACINA.

Fome, genocídio e chacina. Esses são subprodutos de um sistema de poder que ordena o mundo. Enquanto houver fome, genocídio e chacinas, haverá racismo, com toda sua potência.

Uma forma de estar no mundo

Achar que um post no Instagram ou um belo tuíte em prol da Consciência Negra podem garantir um boa noite de sono é uma das maiores ingenuidades que se pode ter. Por isso pergunto: até onde vai o seu antirracismo? Quando é que ele para para descansar ou vira um assunto muito pesado?

A luta antirracista não é uma camiseta com palavras de ordem que a gente usa e, depois de lavar, guarda no armário esperando outro novembro chegar. A luta antirracista deve ser entendida como uma forma de estar no mundo – que não será a mesma para todos, pois não há igualdade de condições em meio ao racismo. 

Por isso, para aqueles que gozam dos privilégios ordenados pelo racismo – leia-se aqui, as pessoas brancas –, faço um convite. Pensem na luta antirracista como um par de lentes que é preciso colocar para enxergar o mundo. Quando se tiram essas lentes – seja para dormir, tomar banho, ir à praia, jantar naquele restaurante bacana, dar um pulo no mercado, ou por puro cansaço – a luta antirracista para, simples assim. 

Ainda que urgente, a Consciência Negra celebrada no 20 de Novembro é apenas um lembrete de que a luta é de todos, todos os dias. 

Sigamos.

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Mestre e doutora em História Social pela USP, Ynaê Lopes dos Santos é professora de História das Américas na UFF. É autora dos livros Além da Senzala. Arranjos Escravos de Moradia no Rio de Janeiro (Hucitec 2010), História da África e do Brasil Afrodescendente (Pallas, 2017) e Juliano Moreira: médico negro na fundação da psiquiatria do Brasil (EDUFF, 2020), e também responsável pelo perfil do Instagram @nossos_passos_vem_de_longe.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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Negros Trópicos

Ynaê Lopes dos Santos defende que não há como entender o Brasil e as Américas sem analisar a estrutura racial que edifica essas localidades; e que a educação tem um papel fundamental na luta antirracista.