As vidas de Françoise Gilot com e sem Picasso
Livro aborda a história de Françoise Gilot, artista e musa de Picasso, e lança um olhar inédito sobre a vida e obra do gênio espanhol das artes plásticas, da perspectiva da única mulher que ousou abandoná-lo.
Ícone fotográfico
Robert Capa fotografou o amigo Pablo Picasso e sua amante Françoise Gilot em 1948. Ela caminha radiante pela areia, enquanto ele segura o guarda-sol para ela encarando a câmera, travesso. Na realidade, Françoise não ficou à sombra dele. O livro "A mulher que diz não" ("Die Frau, die nein sagt") conta sobre essa artista cheia de personalidade, que foi musa do gênio por dez anos e depois o deixou.
A moça e o grande pintor
"Ele era o mestre, ela, a musa. Ele a descobriu quando ela tinha 22 anos, jovem e livre de influências, virgem como uma tela em branco, convidando-o a preenchê-la", descreve o autor Malte Herwig o encontro de Picasso com Gilot. Seu livro aborda com humor o grande artista e sua não menos enorme vaidade.
Ego inflado
"O pintor mais famoso de sua época, e talvez de todos os tempos, tinha um grande talento para a autopromoção", revela "A mulher que diz não". "Para além dele mesmo e da arte, não havia muito espaço na vida de Picasso. A tirania do gênio degradava todos os outros ao papel de figurantes." Françoise Gilot foi a única a quebrar esse padrão.
Início nada fácil
"Uma garota assim não pode ser pintora", teria dito Picasso a Gilot. Mas aí a convidou para seu ateliê. Pelo menos é o que a artista conta hoje, aos 93 anos, numa das entrevistas realizadas por Herwig em seus ateliês de Paris e Nova York. Até hoje ela pinta todos os dias. Na imagem, seu óleo "Portrait en noir", de 1943.
Artista em tempo integral
Em 75 anos, Gilot realizou mais de 5 mil desenhos e 1.600 pinturas. Nas últimas quase cinco décadas, há pelo menos uma exposição por ano com suas obras. A maioria delas se encontra em coleções particulares, outras em museus famosos como o Metropolitan de Nova York. Neste autorretrato de 1941, ela encara o espectador, de olhos bem abertos e questionadores.
"Picasso et moi-même"
"Picasso e eu mesma – o abraço" é o título desta tela de 1948, em que os dois ainda são um casal feliz. O primeiro filho, Claude, nascera no ano anterior, no ano seguinte viria Paloma. Picasso e Gilot nunca se casaram: na verdade ela não queria filhos, mas ele a convenceu. Porém nunca teria abandonado sua arte por Picasso, como faz questão de deixar claro até hoje.
Pintora segura de si
Picasso foi seu grande amor, sua paixão. Mas havia limites para o que ela estava disposta a aceitar. Nesta foto, nota-se sua postura confiante também ao pintar. "Ne me touchez pas" – "Não me toque", é o nome desta obra de Françoise Gilot. A frase ressoa como sua filosofia de vida: desde criança, ela jamais permitiu que ninguém se aproximasse demais dela.
Primeiro óleo aos 17 anos
"Nem mesmo Picasso chegou a me conhecer, apesar de nossos dez anos em comum, pois eu me fechei. Nunca me revelo, por que deveria?", disse Françoise ao autor Herwig "no tom mais amigável, até que seu riso ressoante quebrou o gelo". A foto a mostra aos 15 anos. Dois anos mais tarde realizaria sua primeira pintura a óleo.
"Nenhuma mulher deixa um homem como eu..."
"É o que Pablo lhe dissera apenas poucas semanas antes, fitando-a com seus olhos de basilisco, de um brilho escuro. Um homem tão rico e famoso como ele, o pintor mais conhecido do mundo, um rei do mundo da arte, enfim, uma espécie de deus." Malte Herwig começa seu livro sobre Françoise Gilot com deliciosa ironia, da perspectiva do grande mestre: "E ela? Soltou uma gargalhada sonora."
Gênio ingênuo
"Deixá-lo? Isso era lá motivo para rir! Para ele o assunto era sério demais." O livro consegue lançar um olhar totalmente novo sobre o grande Picasso, mostrando-o em seus fracassos e desse modo, humano. É o olhar de Françoise Gilot, caloroso, tão amoroso hoje como outrora. "Françoise sorriu. Que ingenuidades até mesmo um gênio era capaz de dizer sobre si mesmo."
Picasso sem Gilot
Françoise Gilot deixa Picasso em 1953. Pouco tempo depois, ele pinta "Torso de mulher", que pode ser vista na exposição "Desenhos do Século – Museu de Arte de Tel Aviv Visita Berlim", no Martin Gropius Bau. A separação também representa uma quebra no livro: o autor se torna visível como entrevistador da dama de 93 anos, plena de sabedoria de vida.
Picasso e as mulheres
Françoise Gilot foi a única mulher a abandonar o grande mestre espanhol. E que sobreviveu a ele. A última esposa de Picasso, Jacqueline Roque, cometeu suicídio; Marie-Thérèse Walter se enforcou. A bailarina Olga Khoklova e a fotógrafa Dora Maar (na imagem, em quadro de Picasso), que por ele haviam desistido de suas paixões profissionais, enlouqueceram.
"Arrependimento é puro desperdício"
Gilot, ao contrário, é cheia de vida até hoje, aos 93 anos. "Eu sabia que ia ser uma catástrofe, mas uma catástrofe que valeria a pena viver", revela a Herwig. Arrependimento não passa de desperdício, "além disso, é muito mais interessante viver algo trágico com uma pessoa especial, do que uma vida maravilhosa com alguém medíocre".
Tudo, menos tédio
"Se você quer viver intensamente, precisa arriscar algo dramático, senão a vida não vale a pena", diz Françoise Gilot, em retrospectiva. "Assim, pelo menos, você não fica chato. Esta é a pior coisa: ficar chato." E isso é algo que o livro de Malte Herwig, lançado em 2015 pela editora Ankerherz Verlag, garantidamente não é.