Argentina condena ex-ditador a 50 anos de prisão por sequestro de bebês
6 de julho de 2012A Justiça da Argentina condenou nesta quinta-feira (05/07) o ex-ditador Jorge Videla a 50 anos de prisão pelo sequestro de bebês de presos políticos durante a sangrenta ditadura militar no país, entre 1976 e 1983. O Tribunal Oral Federal 6 considerou que Videla foi o "autor penalmente responsável pelos delitos de subtração, retenção e ocultamento de um menor de 10 anos de idade" e que ele participou de outros 20 casos.
O tribunal também condenou outras dez pessoas envolvidas com o sequestro de bebês à época – entre elas o ex-capitão Jorge Eduardo "Tigre" Acosta, antigo chefe de inteligência do grupo de tarefas da Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), um dos maiores centros clandestinos de detenção, condenado a 30 anos de prisão; Santiago Omar Riveros, ex-comandante de Institutos Militares, sentenciado a 20 anos; e Reynaldo Bygone, último ditador do período militar, condenado a 15 anos.
Videla, Tigre e Bygone já estão cumprindo sentenças perpétuas por outros crimes contra a humanidade.
As crianças foram tiradas de seus pais e adotadas ilegalmente, a maioria por famílias de militares. O ato revela um dos piores crimes cometidos durante o regime de terror que deixou cerca de 30 mil opositores mortos.
"Em alguns casos, os criminosos já são pessoas idosas, por isso a pena que lhes foi imposta equivale a uma prisão perpétua. Este é um dia histórico, e vamos continuar", declarou Tati Almeida, integrante da Associação de Mães da Praça de Maio, a um canal de televisão argentino.
Condenação celebrada
A condenação de Videla, 86 anos, foi celebrada por manifestantes concentrados nas ruas próximas ao tribunal. Durante o processo, que começou no final de 1996, o ex-ditador não se mostrou arrependido. Ele se descreveu como um preso político, reconheceu o sequestro de bebês, mas afirmou que eles não foram parte de um plano sistemático. Ele negou ser o principal responsável pelo sequestro de bebês.
Numa entrevista à parte do processo, Videla chegou a afirmar que os bebês foram sequestrados, "alguns com boas intenções, para dar um bom lugar a filhos de terroristas, e outros para vendê-los".
"Todas as grávidas, a quem respeito como mães, eram militantes ativas da máquina do terrorismo", disse o ex-ditador em sua defesa. "Muitas delas usaram seus filhos embrionários como escudos humanos na hora de atuar como combatentes", afirmou o ex-ditador, que no mês passado foi transferido para uma cela comum
Videla era considerado o cérebro da ditadura militar na Argentina. Ele foi um dos líderes do golpe de Estado que derrubou Isabel Martinez de Perón, em 1976, e governou o país daquele ano até 1981.
Centenas de desaparecidos
A sentença desta quinta-feira refere-se ao processo que investigou o roubo e a adoção ilegal de 34 bebês. No entanto, calcula-se que durante o período da ditadura militar argentina mais de 400 crianças tenham sido tiradas de suas famílias. Até hoje, apenas 102 conseguiram descobrir sua verdadeira identidade.
Alguns dos bebês roubados nasceram em centros clandestinos de tortura. As enfermeiras relataram que muitos foram amamentados pelas mães em cativeiros durante dias. Já outros foram levados imediatamente. Não houve registros de nascimento, o que dificultou e atrasou muito a identificação destas crianças e o reencontro com seus pais biológicos e familiares.
Quando a ditadura caiu, em 1983, a Justiça condenou os ex-membros do regime por violação de direitos humanos. Anos depois, porém, estes condenados foram beneficiados por uma anistia, revogada apenas em 2005 pela Corte Suprema de Justiça, a pedido do então presidente Néstor Kirchner. Assim como sua esposa Cristina, Kirchner era militante político na década de 1970.
Destinos alterados
Entre os que conseguiram encontrar a verdadeira família está o atual deputado de Buenos Aires Juan Cabandié, atualmente com 34 anos, militante do governo da presidente Cristina Kirchner. Ele nasceu na Esma, onde sua mãe – com apenas 16 anos – esteve presa. Cabandié foi adotado por um policial e ganhou um novo nome.
Algumas crianças, porém, nunca foram encontradas, como a neta de Maria Isabel Chorobik, fundadora do grupo de direitos humanos Avós da Praça de Maio. A organização tem como objetivo encontrar bebês roubados de seus filhos desaparecidos durante a ditadura.
Chorobik busca a neta Clara Anahí Mariani desde 1976, quando ela tinha 3 meses de idade. Agentes do governo invadiram a casa dos pais de Clara, matando a mãe dela e outros militantes de esquerda na cidade de La Plata.
MSB/rtr/dpa
Revisão: Alexandre Schossler