Apoio de países ricos pode acelerar quebra de patentes
6 de maio de 2021Em meio à batalha contra a covid-19 mundo afora e pedidos pelo compartilhamento de tecnologia de vacinas para ajudar a conter a pandemia, os Estados Unidos manifestaram apoio à suspensão de patentes de imunizantes, e a União Europeia sinalizou que pode seguir a mesma linha.
Após o governo do presidente americano, Joe Biden, anunciar na noite desta quarta-feira (06/05) que apoia a medida – num gesto classificado de histórico –, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que a União Europeia (UE) está disposta a conversar sobre a proposta.
"A UE está disposta a discutir qualquer proposta que responda à crise de forma efetiva e pragmática. E é por isso que estamos dispostos a discutir como a proposta dos EUA para uma suspensão da proteção à propriedade intelectual de vacinas poderia ajudar a alcançar esse objetivo”, declarou a chefe do bloco nesta quinta-feira, sem se comprometer com um apoio formal à quebra de patentes.
Von der Leyen ressaltou que a prioridade da UE é impulsionar a capacidade global de abastecimento de vacinas, implicitamente criticando os EUA e o Reino Unido, que até agora vêm limitando a exportação de imunizantes. "No curto prazo, pedimos a todos os países produtores de vacinas que permitam a exportação e evitem medidas que perturbem as cadeias de abastecimento."
Na quarta-feira, a representante de comércio dos EUA, Katherine Tai, afirmou que "o governo [Biden] acredita fortemente em proteções da propriedade intelectual, mas, em prol do fim desta pandemia, apoia a suspensão dessas proteções para vacinas contra a covid-19".
"Vamos participar ativamente em negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) necessárias para fazer isso acontecer", afirmou a representante americana. "Esta é uma crise sanitária global. As circunstâncias extraordinárias da pandemia de covid-19 exigem medidas extraordinárias."
Trata-se de uma mudança radical de posição, que coloca os EUA ao lado de países em desenvolvimento que pressionam os países ricos a fazerem mais pela distribuição de vacinas mundo afora.
Em outubro do ano passado, Índia e África do Sul apresentaram à OMC uma proposta para suspender as patentes. Desde então, mais de cem países manifestaram apoio à medida.
Estados Unidos, União Europeia e outras nações desenvolvidas haviam bloqueado a ideia, e o Brasil foi o único país entre as nações de renda média e baixa a se manifestar contra. Um grupo de 110 congressistas dos EUA enviou uma carta a Biden no mês passado pedindo um novo posicionamento.
Negociações podem levar meses
O objetivo da suspensão de patentes é permitir que fabricantes de todo o mundo tenham acesso ao conhecimento e tecnologia necessários para fabricar vacinas, e que, assim, a produção aumente e os imunizantes cheguem também às regiões mais pobres do mundo.
A suspensão ainda precisa ser aprovada por consenso na OMC, mas o apoio dos EUA e possivelmente da UE deve ter forte influência sobre as negociações.
Nesta quinta, especialistas em comércio ouvidos pela agência de notícias Reuters afirmaram que pode levar meses para a OMC aprovar a medida. Segundo os especialistas, além de levarem tempo, as negociações devem resultar numa suspensão com escopo bem menos amplo do que o inicialmente proposto pela Índia e a África do Sul.
Nos últimos sete meses, dez reuniões sobre o tema terminaram sem consenso entre os membros da OMC. A proposta inicial apresentada incluía a quebra de patentes para vacinas, tratamentos, testes, respiradores, equipamentos de proteção e outros produtos relacionados à pandemia.
OMS e Fiocruz: gesto "histórico"
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, classificou o apoio do governo Biden a uma suspensão das patentes de histórico e "um momento monumental na luta contra a covid-19”.
Ghebreyesus afirmou que o compromisso dos EUA é um "poderoso exemplo da liderança americana no enfrentamento a desafios sanitários globais”.
"O anúncio não me surpreende, é o que eu esperava do governo do presidente Biden”, acrescentou o diretor-geral da OMS – organização que o ex-presidente Donald Trump havia ameaçado abandonar no ano passado. "Parabenizo os EUA por essa decisão histórica para conseguir uma igualdade nas vacinas e dar prioridade ao bem-estar de todos em momentos críticos.”
A Aliança Mundial para Vacinas e Imunização (Gavi), colíder do consórcio internacional Covax Facility ao lado da OMS, também elogiou o apoio dos EUA e pediu que Washington ajude fabricantes a também transferirem know-how para impulsionar a produção global urgentemente.
Paulo Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz, classificou em entrevista ao jornal O Globo o novo posicionamento dos EUA de "surpreendente e histórico".
"Esta decisão terá implicações simbólicas e concretas muito importantes. Se for executada pelas empresas americanas adequadamente, isso significa que teremos acesso a tecnologias de vacinas da geração mais recente, de RNA mensageiro", disse.
Indústria farmacêutica: "Resposta simples, mas errada"
Críticos, especialmente da indústria farmacêutica, afirmam que a suspensão de patentes não seria uma panaceia. Eles insistem que a produção de vacinas contra o coronavírus é complexa e não pode ser aumentada simplesmente por um afrouxamento da propriedade intelectual.
Em vez disso, a indústria afirma que é mais urgente reduzir gargalos no fornecimento e a escassez de ingredientes necessários para as vacinas. Críticos também argumentam que a quebra de patentes poderia minar a inovação.
"Uma suspensão [de patentes] é a resposta simples, mas errada para o que é um problema complexo'', disse a Federação Internacional de Fabricantes e Associações Farmacêuticas.
Stepehen Ubl, CEO da Pharmaceutical Research and Manufacturers of America, grupo commercial que representa empresas do setor farmacêutico nos EUA, afirmou que a decisão dos EUA vai "semear confusão entre parceiros públicos e privados, enfraquecer ainda mais cadeias de fornecimento e fomentar a proliferação de vacinas falsificadas''.
Michelle McMurry-Heath, executiva-chefe do grupo comercial Biotechnology Innovation Organization, disse que a decisão minará os incentivos para desenvolver vacinas e tratamentos para futuras pandemias.
"Entregar a países necessitados um livro de receitas sem os ingredientes, salvaguardas e a mão de obra necessária não ajudará as pessoas que esperam pela vacina", argumentou.