Antes dos Jogos, indígenas denunciam aumento da violência
4 de agosto de 2016Elizeu Pereira Lopes Guarani Kaiowá, de 40 anos, não vai acompanhar a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, nesta sexta-feira (05/07). Jurado de morte em Mato Grosso do Sul, o líder indígena estará no Rio de Janeiro ao lado de representantes de outras etnias para protestar: eles não se veem representados na festa que promete mostrar ao mundo a multiculturalidade brasileira e preocupação com o meio ambiente.
“Aplaudir os Jogos significa, para mim, um aplauso ao sangue que está sendo derramado por nós por um pedaço de terra e pela proteção das matas. Estamos sendo massacrados, atacados, despejados, cada vez mais indígenas estão sendo mortos, e os assassinos não estão sendo punidos”, denuncia Lopes em entrevista à DW Brasil por telefone, antes de embarcar para o Rio.
Dados divulgados nesta quinta-feira (04/08) pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostram que 33 indígenas foram assassinados no Brasil só nos primeiros seis meses de 2016. Outros 30 ataques a comunidades ocorreram no país de agosto de 2015 a julho último.
Desde os Jogos de Londres, em 2012, 150 ativistas ambientais brasileiros foram assassinados, segundo a organização Global Witness. A marca dá ao Brasil “medalha de ouro” no ranking de mortes de ambientalistas.
“Há no Brasil um processo em curso sistemático de atacar os direitos dos povos às suas terras tradicionais”, afirma Cléber Buzzato, secretário-executivo do Cimi. Para Buzzato, a ofensiva é comandada pela bancada ruralista em torno da Frente Parlamentar Agropecuária, em Brasília.
Buzzato também vê contradição na imagem que a sede dos Jogos Olímpicos quer passar ao público internacional. Uma das maiores ameaças ao patrimônio verde nacional, mantido intacto principalmente em terras indígenas, é a chamada PEC 215, uma Proposta de Emenda à Constituição que aguarda para entrar em pauta na Câmara dos Deputados.
“Por meio dela (PEC 215), ruralistas tentam inviabilizar procedimentos de demarcação. Outro objetivo é abrir terras indígenas já demarcadas e preservadas para exploração agropecuária, projetos de mineração, entre outros, por não indígenas”, justifica Buzzato.
Consultada, a Frente Parlamentar Agropecuária não se pronunciou a tempo do fechamento dessa reportagem.
Proteção, só no papel
A aldeia Kurusuamba, liderada por Eliseu Lopes, é uma das maiores vítimas da violência desde o início do ano. Nela, vivem 70 famílias da etnia guarani kaiowá, nas redondezas da cidade de Coronel Sapucaia, Mato Grosso do Sul. Ninguém da comunidade consegue esquecer o último 30 de janeiro, quando 16 casas foram incendiadas por suspeitos.
“Mais de 20 lideranças estão ameaçadas de morte. Eu não consigo viver tranquilamente. Fazendeiros e pistoleiros contratados nos ameaçam, somos criminalizados por políticos locais”, conta Lopes, que foi incluído no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas. “A proteção existe só no papel. Eles só sabem o que está acontecendo comigo quando eu ligo para a polícia”, relata.
A etnia, que tem cerca de 31 mil indivíduos no Brasil, está concentrada principalmente em Mato Grosso do Sul. Expulsos de suas terras originárias em meados do século 20, os indígenas passaram por anos de confinamento num território considerado pequeno para manter o modo de vida dessa população.
A partir da década de 1970, as famílias começaram a retornar para o local de origem, que foi ocupada por fazendas de soja e pecuária. Eles aguardam até hoje pela demarcação do território pelo governo federal.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) reconhece o problema e diz que tenta, desde 2008, identificar e delimitar o território. “A finalização dos estudos tem esbarrado em diversas dificuldades, especialmente, na judicialização dos procedimentos administrativos de identificação, devido a ações de nulidade impetradas por sindicatos rurais, municípios e associações de produtores, provocando paralisações nos trabalhos da Funai”, informou por meio de nota.
"Não tem como nos sentirmos incluídos"
A milhares de quilômetros do Rio de Janeiro, o clima de guerra na Terra Indígena Alto Turiaçu faz com que lideranças indígenas da etnia ka'apor passem semanas escondidas no único remanescente de Floresta Amazônica no estado de Maranhão. A comunidade é outro caso representativo da violência contra os índios.
A invasão de madeireiros e garimpeiros no território provoca conflitos, ameaças e mortes. Desde 2010, uma liderança é assassinada por ano. A comunidade ainda tenta descobrir o paradeiro de Iraúna Ka'apor, de 14 anos, desaparecida desde fevereiro de 2016. Em junho, o Greenpeace protocolou uma denúncia nos Ministérios do Meio Ambiente e Justiça, Ibama, Ministério Público Federal e Polícia Federal.
“Essa retirada ilegal de madeira, as plantações de soja, de cana, os pastos estão sendo irrigados com o nosso sangue”, afirma Lopes Guarani Kaiowá. “Não tem como a gente se sentir incluído nesta festa das Olimpíadas.”