Jubileu traz "Anel" em muitas versões
30 de março de 2013Os 200 anos do compositor e dramaturgo alemão Richard Wagner (1813-1883) são comemorados nos palcos operísticos dos países de língua germânica com a renovação e ampliação maciça de seu repertório wagneriano. Para a atual temporada, estão previstas 38 novas montagens, de Zwickau a Colônia, de Munique a Kiel.
A campeã em número de encenações, no ano do bicentenário, é a última ópera, Parsifal. Mas há também a chance de se descobrir obras da juventude do mestre, como As fadas e O amor proibido. No entanto, o centro desse universo teatro-musical permanece sendo a tetralogia O anel do Nibelungo, com suas 16 horas de duração, distribuídas por quatro récitas.
Disputa pelas melhores vozes
"Pense no amor maravilhosamente fatídico de Siegmund e Sieglinde, Wotan em suas relações profundamente misteriosas com esse amor, depois em sua ruptura com Fricka, sua furiosa autossubjugação, quando – por respeito à convenção – ele impõe a morte a Siegmund; por fim, a magnífica valquíria Brünnhilde, como ela – adivinhando os pensamentos mais íntimos de Wotan – desobedece ao deus e é castigada por ele..."
Assim, o compositor devaneava ao colega, amigo – e futuro sogro – Franz Liszt, numa carta de 1851. Para o público, o Anel é uma experiência artística extraordinária, para os teatros, um enorme esforço logístico e financeiro.
Muito antes da chegada do jubileu, começou entre os diretores das grandes casas de ópera a briga pelas melhores vozes wagnerianas – que não são muitas. Quem for a Munique ou a Viena, poderá escutar a excelente soprano Nina Stemme como Brünnhilde, ou o heldentenor Stephen Gould como Siegfried.
Ambas as produções ficaram entre as novas mais cotadas, às vésperas do ano Wagner. Em Viena, Sven-Eric Bechtolf e Franz Welser-Möst foram, respectivamente, responsáveis pela direção de cena e musical, funções que em Munique couberam a Andreas Kriegenburg e ao maestro nipo-americano Kent Nagano.
Berlim, cidade dos dois Anéis
Na capital alemã ocorre uma situação inusitada: as duas grandes casas de ópera da cidade – a Staatsoper e a Deutsche Oper – consideraram indispensável encenar o Anel do Nibelungo por ocasião dos 200 anos de nascimento de Richard Wagner.
É bem verdade que a encenação de Guy Cassirer para a Staatsoper foi arrasada pela crítica. Por outro lado, a versão contou com um dos principais regentes wagnerianos da atualidade, na figura de Daniel Barenboim.
Programada para o final de setembro, a remontagem, na Deutsche Oper, da lendária Tetralogia do diretor Götz Friedrich, morto em 2000, promete ser uma verdadeira sensação. Os cenários da já clássica versão, que foram parâmetro para gerações de encenadores de Wagner, nada perderam de sua força de expressão, mesmo passadas quase três décadas da estreia. O regente será ninguém menos do que Simon Rattle, titular da Filarmônica de Berlim, coroando assim a exploração do mundo wagneriano que já vem empreendendo há anos.
Enquanto isso, na Ópera de Genebra, na Suíça, um outro maestro de primeiro escalão, Ingo Metzmacher, regerá o primeiro Anel completo de sua carreira. A abertura do ciclo, com O ouro do Reno, no início de março, foi bem recebida pela crítica. "A alma de Wagner volta a cantar", entusiasmou-se o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung. Seguem-se A valquíria em novembro, e Siegfried em janeiro de 2014. A integral, com Crepúsculo dos deuses, poderá ser assistida em maio de 2014.
Província, uma ova!
Mas neste ano de jubileu não é só nos grandes palcos que ocorrem produções interessantes. O novo Anel do Nibelungo em Mannheim fica a cargo do veterano teatral Achim Freyer e do jovem maestro israelense Dan Ettinger. Ex-assistente de Barenboim, este último é, desde 2009, diretor musical geral do Teatro Nacional de Mannheim, e recebeu muitos elogios pela regência do Anel em Tóquio.
Um empreendimento ambicioso é também o RING Halle Ludwigshafen, coprodução envolvendo o Theater im Pfalzbau de Ludwigshafen, a Ópera de Halle e a Filarmônica Nacional Alemã do estado da Renânia-Palatinado.
Desde novembro de 2010, o ciclo operístico de Wagner vem sendo desenvolvido nos teatros de Ludwigshafen e Halle, para ser apresentado na íntegra em março e abril de 2013, nessas duas cidades, ao longo de uma semana. A encenação fica a cargo de Hansgünther Heyme, a regência musical é de Karl-Heinz Steffens, ex-clarinetista da Filarmônica de Berlim e diretor geral musical em Halle.
Em tempos passados, o Anhaltisches Theater de Dessau costumava ser apelidado de "Bayreuth do Norte" – uma alusão à cidade bávara em que Richard Wagner fundou seu "Teatro dos Festivais", até hoje tão ativo quanto legendário. Agora, após 58 anos de abstinência da Tetralogia, a casa de ópera de Dessau decidiu dedicar mais uma vez à obra monumental.
Neste ano de Wagner, no entanto, só se assistirá às duas últimas partes, Siegfried e Crepúsculo dos deuses. A razão para tal é bastante original: o diretor geral do Anhaltisches Theater, André Bücker, quer apresentar o ciclo de trás para a frente.
Desse modo, ele pretende ser fiel à concepção original do criador, que começou sua narrativa na forma de um poema intitulado A morte de Siegfried. Somente no decorrer dos anos, Wagner foi ampliando a obra, com a inclusão dos eventos anteriores ao assassinato do herói, chegando, por fim ao atual ciclo de quatro óperas.
Por sua vez, a Tetralogia de Cottbus fica pronta em 2013. O Teatro Nacional da cidade de cento e poucos mil habitantes no leste alemão precisou de dez anos para completar o projeto. Em 2003, seu diretor geral, Martin Schüler, apresentou a primeira parte, O ouro do Reno; em 2008 e 2010 seguiram-se, respectivamente, A valquíria e Siegfried. A estreia de Crepúsculo dos deuses, em 30 de março de 2013, marca o fechamento desse grande empreendimento da pequena casa de ópera.
Enfim: em termos de ópera wagneriana, nem tudo precisa ser Bayreuth neste bicentenário.