Alemanha planeja reformas na indústria da carne
22 de julho de 2020Depois de anos de tentativas frustradas de promover mudanças na indústria da carne na Alemanha, os surtos recentes de covid-19 em frigoríficos alemães levaram políticos a se unirem por um conjunto de reformas, que, segundo especialistas, pode marcar uma mudança de paradigma no setor.
No centro da proposta apresentada pelo ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, está a proibição do uso de empresas que oferecem mão de obra terceirizada acusadas de não proporcionar condições de trabalho seguras e de exploração.
Durante décadas, os frigoríficos alemães reduziram seus custos usando milhares de trabalhadores vindos de países com baixos salários, como a Romênia, Bulgária e Polônia. Em vez de contratar a mão de obra diretamente, as empresas dependem de redes de firmas terceirizadas opacas e multifacetadas – uma prática que, segundo críticos, as eximem da responsabilidade pelas condições de trabalho.
Chamadas como uma forma de "escravidão moderna", essas condições contribuíram para que os frigoríficos na Alemanha se tornassem focos do coronavírus.
A proposta de reforma para o setor deve ser divulgada na íntegra até o final de julho e deve proibir a atuação das firmas terceirizadas e exigir dos frigoríficos a contratação direta de seus funcionários.
Para o sociólogo Gerhard Bosch, da Universidade de Duisburg-Essen, a proposta representa uma "mudança de paradigma" na indústria da carne. O especialista em trabalho e economia, no entanto, teme que a medida não acabe com a exploração de trabalhadores migrantes.
Os frigoríficos já estão buscando, e aparentemente encontrando, brechas nas regras. A Tönnies, envolvida num grande surto de covid-19 recentemente, prometeu empregar diretamente até setembro 1.000 trabalhadores. A empresa, porém, criou 15 subsidiárias para contratar essa mão de obra e está agora enfrentando críticas pela manobra.
Segundo Bosch, as subsidiárias podem ser usadas para dividir trabalhadores e impedir tentativas de negociação coletiva. Os trabalhadores poderiam ser divididos por nacionalidade ou emprego, acrescentou, permitindo disparidade entre as subsidiárias.
"A Tönnies está tentando evitar qualquer sindicalização. Será a mesma a organização de trabalho inalterada com diferentes empresas na linha de produção", afirmou o sociólogo.
Prática popular
A prática de usar trabalhadores migrantes subcontratados para reduzir custos trabalhistas não é exclusiva da indústria da carne na Alemanha. É um método generalizado no setor da construção civil e de entregas e na agricultura.
A Alemanha é um dos principais destinos de mão de obra sazonal da União Europeia (UE). Em 2018, o país recebeu cerca de 430 mil trabalhadores sazonais estrangeiros, de acordo com um estudo da Comissão Europeia.
O setor da construção civil emprega grande parte desta mão de obra. No ano passado, o setor absorveu aproximadamente 100 mil trabalhadores, principalmente da Polônia e de outros países do Leste europeu.
Assim como a indústria da carne, empresas de construção alemãs costumam usar redes obscuras de terceirizadas para fugir das leis trabalhistas. Trabalhadores reclamam de longas jornadas, falta de pagamento e altos abatimentos para moradia, ferramentas e uniforme que acabam reduzindo o salário para abaixo do mínimo legal.
Serviços de entregas também são alvos de acusações de exploração de trabalhadores. Em fevereiro do ano passado, 3 mil funcionários da alfândega participaram de uma operação contra terceirizadas contratadas por empresas como a DHL e a Hermes. Diversas violações foram descobertas, entre elas, motoristas que não tinha carteira de habilitação. Cerca de um terço dos empregados recebiam ainda menos do que o salário mínimo, que atualmente é estipulado em 9,35 euros por hora.
Em reação às violações, o Parlamento alemão aprovou uma lei que responsabiliza as empresas de entregas caso as terceirizadas não paguem o salário mínimo e contribuições trabalhistas a seus funcionários. Legislações semelhantes já abrangem o setor da construção civil e a indústria da carne, mas elas não conseguiram pôr fim à exploração da mão de obra.
Bosch culpa a falta de fiscalização do governo e a fraca representação sindical dos trabalhadores estrangeiros pelo contínuo desrespeito às leis trabalhistas alemãs. Muitos dos migrantes não falam alemão, conhecem muito pouco seus direitos no país e têm medo de perder o emprego se questionarem as condições moradia ou trabalho.
"Marginalizados, esses estrangeiros não conhecem seus direitos", ressaltou o sociólogo. Bosch acredita que restrições mais amplas ao emprego de terceirizadas na indústria poderiam ajudar.
Muitos políticos, porém, incluindo a deputada social-democrata Katja Mast, argumentam que uma proibição mais ampla não é viável. "Não lutamos contra contratos de trabalho em geral, mas contra abusos que criam uma segunda classe de trabalhadores", afirma.
Mast defende o fortalecimento de regras sobre condições de moradia, que são oferecidas muitas vezes pelos próprios empregadores.
A especialista em política de mercado de trabalho da Confederação Alemã de Sindicatos (DGB) Ruxandra Empen disse que os trabalhadores costumam pagar valores exacerbados pela moradia e temem constantemente ficar sem teto se perderem o emprego.
"Os trabalhadores tendem a aceitar as ofertas de moradia, mas há muitas desvantagens. Muitas delas são precárias e o preço dos aluguéis são bastante altos. É uma maneira de se contornar o salário mínimo", explicou Empen.
A DGB propõe limitar o custo da moradia oferecida pelo empregador e incumbir autoridades governamentais de fiscalizar essas condições.
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