‘Alemanha paulista’
11 de março de 2009Os alemães começaram o ano assustados com a constatação do ex-ministro da Economia, Michael Glos: “A Alemanha se encontra em profunda recessão”. Os brasileiros, que no início da crise viram o presidente Luís Inácio Lula da Silva descartar seus efeitos no país como mera “marolinha”, também vêm sofrendo com demissões e férias coletivas no setor industrial.
O prognóstico mais recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que também no Brasil pode haver retração em 2009: análise divulgada esta semana indica que o faturamento do setor industrial em janeiro despencou 13,4% em relação ao ano anterior.
Ainda assim, as empresas alemãs mantêm a confiança no solo em que se firmaram – o que no caso de dois terços delas equivale a dizer São Paulo –, que ainda parece estar mais fértil do que o país de origem.
“As principais empresas alemãs operam há décadas no país, principalmente no estado de São Paulo. Estes empresários acreditaram no crescimento e na estabilidade do mercado brasileiro no longo prazo. Portanto, vieram para ficar”, ressalta o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha em São Paulo (AHK-SP), Rolf-Dieter Acker, lembrando que a economia brasileira já passou por outras crises, “por exemplo na década de 80 e em 1999”.
Desemprego aumenta, mas confiança não cai
A crise de agora fez com que o desemprego aumentasse em 20,6% nas seis principais regiões metropolitanas do Brasil, de acordo com pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São Paulo, por concentrar o maior número de empresas e empregos, foi a que mais sofreu: o contingente de desocupados teve alta de 32,6% nesses dois meses.
A Alemanha também vem sofrendo com o desemprego: de novembro de 2008 para fevereiro de 2009, o número de desempregados no país subiu de 2,99 milhões para 3,5 milhões, de acordo Agência Federal do Trabalho (Bundesagentur für Arbeit).
Mas, segundo Ingo Plöger, presidente da consultoria IP Desenvolvimento Empresarial e Institucional, a indústria alemã está sendo menos afetada pela crise no Brasil do que na Alemanha.
“Os resultados de 2008 no Brasil foram excepcionais. O embate da crise afetou muito o último trimestre de 2008 e o primeiro trimestre deste ano. Mas março já está trazendo sinais de recuperação. Agora já percebemos sinais de que estamos entrando numa retomada, e a retomada parece ser firme”, considera Plöger.
Como exemplo para isso, ele cita o caso da indústria automotiva, onde a queda na produção foi forte, mas a das vendas, nem tanto. Enquanto a produção em dezembro de 2008 foi cortada pela metade em comparação ao mesmo mês de 2007, em janeiro deste ano as vendas foram 8% menores do que em janeiro de 2008.
Nesta semana, dados divulgados pela Anfavea – associação que reúne empresas do setor automotivo – de fato apontam uma tendência à recuperação. Conforme reportagem do jornal O Globo, a produção de veículos em fevereiro teve alta de 9,2% em relação a janeiro.
São Paulo: mais indústrias do que metrópoles alemãs
Plöger lembra, além disso, que as relações entre a Alemanha no Brasil vem se intensificando de forma significativa desde 1990. Naquele ano, as exportações do Brasil para a Alemanha foram de 1,8 bilhão de dólares. Já em 2008, este número passou para 8,8 bilhões de dólares. Na via oposta, as exportações da Alemanha para o Brasil pularam de 1,8 bilhão de dólares em 1990 para 12 bilhões de dólares em 2008.
A Alemanha é o terceiro maior investidor estrangeiro no Brasil, e não é preciso ir muito longe para concluir que grande parte desses investimentos vai para endereços paulistas. Das 1.200 empresas alemãs instaladas no Brasil, nada menos que 800 se fixaram na capital do estado e na Grande São Paulo.
“A cidade de São Paulo tem uma concentração de indústrias alemãs maior até do que na própria Alemanha”, diz Plöger. “Mesmo cidades como Colônia, Munique, Hamburgo não reúnem tamanha quantidade de indústrias do país.”
Segundo Acker, mesmo com a crise econômica mundial, o interesse da Alemanha no estado, e no país, continua crescendo. “Durante o ano de 2008, constatamos um crescente interesse no Brasil por parte de empresas alemãs, dispostas a iniciarem atividades comerciais aqui. Recebemos várias delegações comerciais e tivemos a importante visita de Estado da chanceler federal Angela Merkel, o que significa que o cenário tem sido muito bom.”
Ecogerma indica o caminho dos negócios sustentáveis
Uma grande prova de que este cenário continua sendo considerado promissor, segundo Acker, será vista em São Paulo nesta semana. Lá, se realizará a primeira edição da Ecogerma, uma feira e congresso Brasil-Alemanha voltada para a sustentabilidade, reunindo políticos, empresários e 200 expositores dos dois países. Para o presidente da AHK-SP, “isso demonstra que ainda há muitas oportunidades de fortalecer as relações entre os dois países”.
Demonstra também os novos caminhos que o desenvolvimento deve percorrer, tendo a sustentabilidade como eixo fundamental. “A nova conjuntura mundial implica o crescimento da demanda por tecnologias de proteção ao meio ambiente e pela eficiente utilização de recursos energéticos. Abrem-se novas oportunidades de negócios. Quem for capaz de relacionar inovações com conceitos de sustentabilidade terá sucesso em suas atividades”, diz Acker, que também é presidente da BASF no Brasil.
A meta da Ecogerma é gerar negócios e projetos de cooperação nas áreas de energia, tecnologias ambientais, infra-estrutura, pesquisa e desenvolvimento, bens de consumo e agricultura sustentáveis. Além disso, atrativos como o PAC (o Programa de Aceleração ao Crescimento do governo Lula, que prevê investimentos da ordem de 500 bilhões de euros em infra-estrutura, entre dinheiro público e privado), a Copa do Mundo de 2014 no Brasil e o trem-bala, que deverá ser construído entre o Rio e São Paulo, continuam sendo vistos como boas oportunidades para investimentos de empresas alemãs no Brasil.
Uma história que começa no século 19
São Paulo é, de longe, o palco mais emblemático para sediar um evento Brasil-Alemanha. Investimentos alemães estão entranhados com o desenvolvimento da própria economia brasileira. A estrada de ferro que ligava São Paulo a Santo Amaro, inaugurada por Dom Pedro 2º em 1886, foi uma das primeiras de muitas construídas com tecnologia alemã (que viria a ser responsável por um quarto das ferrovias nacionais).
Segundo Ingo Plöger, dos 20 mil habitantes que viviam na cidade de São Paulo em 1853, 2 mil eram alemães. Foi da Alemanha que veio a primeira máquina de papel brasileira, nos idos de 1890. Plöger lembra ainda que empresas como a Hamburg Süd, a Bayer e a Siemens estão em São Paulo há mais de 100 anos. “A Siemens fez investimentos em telegrafia já na época do Império”, conta.
A virada para o século 20 acompanhou a chegada de companhias de eletricidade, bancos, companhias de produtos químicos e mineradoras. Mas foi no pós-guerra que os investimentos alemães tiveram um novo surto, em sintonia com a meta de desenvolvimento “50 anos em cinco” do presidente Juscelino Kubitschek.
O livro Brasil Alemanha – Fases de uma parceria, do cientista político Christian Lohbauer, localiza nesta época um dos momentos mais emblemáticos para simbolizar a presença alemã no Brasil: a imagem de JK pilotando um Fusca brasileiro na inauguração da fábrica da Volkswagen na Via Anchieta, em São Paulo, em 1959.
Antes da Ecogerma, foi também em São Paulo que, em 1995, o então presidente Roman Herzog abriu a Febral – a maior feira industrial alemã do mundo fora da Alemanha. Hoje, os setores mais fortes do pólo alemão no estado são o automobilístico e de autopeças; o químico; o de máquinas e equipamentos; e o de energia.
Autor: Júlia Dias Carneiro
Revisão: Augusto Valente