Aeromoças, uma profissão entre o glamour, a mídia e o medo
5 de setembro de 2006Chegando às bancas nesta semana, a edição de setembro da revista Playboy brasileira traz como atração três aeromoças demitidas da Varig. Não é a primeira vez que revistas masculinas usam as profissionais do ar em suas páginas.
Já nos anos de 1980, a edição norte-americana da mesma revista usava regularmente o mesmo tema. A exploração midiática de uma profissão conhecida como feminina atingia o seu ápice, após sua imagem de glamour – utilizada como instrumento de venda nos anos de 1960 e 1970 – ter se exaurido por tanta comercialização da mídia.
Como propagava o filósofo francês Jean Baudrillard por ocasião da Guerra do Golfo, o que acontece na mídia não acontece na realidade. Um trabalho acadêmico da renomada Universidade Humboldt de Berlim e profissionais da área dão maiores esclarecimentos sobre a profissão, cuja verdadeira imagem, em época de turismo de massa, ameaças terroristas e profissionalização, parece ser bem outra.
Os zepelins e as enfermeiras
Tudo começou com o zepelim. Os primeiros profissionais do ar, até o início da década de 30, eram todos homens, afirma Carolyn Ammann, que defendeu a tese de mestrado na Universidade Humboldt com o tema Aeromoça – Aspectos da história da fascinação de uma profissão feminina.
Como objeto de estudo, Ammann observa a evolução da imagem da profissão, dos primórdios da aviação até os dias de hoje.
No fundo, afirma Ammann, esta imagem acompanhou a própria evolução da aeronáutica. A precariedade dos instrumentos de orientação dos primeiros tempos da aviação comercial e a pouca autonomia de vôo faziam do voar uma aventura. Não foi à toa que as primeiras profissionais eram enfermeiras, usando inclusive uniformes de enfermeiras durante o vôo.
Mulher, jovem, solteira e enfermeira: eram estas as condições de admissão da United Air Lines, no início de 1930. O sucesso do empreendimento foi repetido por todo o mundo. Desde então, afirma Ammann, a profissão ganhou a imagem ideal de uma determinada feminilidade, escondendo assim o duro trabalho que envolve.
Os anos dourados da aviação
O desenvolvimento da aeronáutica durante a Segunda Grande Guerra permitiu aeronaves maiores e mais seguras, as hélices foram substituídas por turbinas e já nos anos de 1950, a profissão de aeromoça perdia somente para a de modelo e estrela de cinema, na escala dos sonhos das jovens.
Com aviões mais seguros, a imagem de "anjo da guarda" pôde ser substituída pela do glamour e, no cinema dos anos 60, o papel de aeromoça era tratado como um verdadeiro troféu para homens de boa situação financeira. A Branniff, companhia aérea texana, foi uma das que mais exploraram a nova imagem de suas funcionárias, vestindo-as com uniformes desenhados por designers famosos e batizando seus aviões com nomes femininos.
Seu lucro logo duplicou, explica Ammann. Neste caso, a aeromoça não somente aparecia na propaganda, a propaganda era ela própria, mas não como aeromoça e sim como imagem feminina.
Outras companhias também seguiram o mesmo exemplo: "Vou processar a Varig pela minha separação", anunciava uma dona-de-casa com avental e espanador numa propaganda da Varig de 1962, relata Ammann em sua pesquisa. Na mídia e na propaganda, a imagem da profissão era quase sempre feminina, enquanto o passageiro e o capitão eram homens. Ammann explica que a exacerbação da exploração comercial desta imagem da aeromoça resultou na sua vulgarização.
Gravatas e lenços de pescoço
A partir da década de 1970, organizações sindicais começaram a lutar pela abolição de cláusulas como a proibição do matrimônio e o limite de idade. Ao mesmo tempo comissários de bordo passaram a ser contratados com maior freqüência, explica Ammann.
Em entrevista a DW-WORLD, o chefe de cabine Dirk Schäfer e o comissário brasileiro Carlos Brito, ambos funcionários da companhia aérea alemã LTU, confirmam o que Ammann constatou: sua profissão é feminina só na imagem. "O número de funcionários homens sobe diariamente", afirmam os comissários.
Juntamente com o desgaste da imagem da profissão, as duras regras de aceitação levaram as companhias a contratarem cada vez mais homens, sendo a Alemanha um dos países onde a profissão de aeromoça não pertence às chamadas profissões femininas, já que a taxa de profissionais masculinos ultrapassa os 20%.
Uma evolução que historicamente acompanha a introdução de jatos com maior capacidade de passageiros e a liberalização do setor, fatos que abriram o caminho para o turismo de massa.
Depois do 11 de setembro
Ammann explica ainda que a necessidade de segurança provocada pelos atentados de 11 de setembro de 2001 relembra os primeiros tempos da aviação. Desta vez, não é mais a enfermeira que é requisitada, mas algo como a babá.
Fabio Biondo, comissário de bordo da Lufthansa, afirma que "já no treinamento, somos confrontados com o problema da segurança".
Apesar de estar ali para demonstrar segurança aos passageiros, o medo também começou a fazer parte de seu cotidiano, afirmou um dos comissários entrevistados. Desta forma, a realidade atual da profissão pouco tem a ver com aquela vendida na mídia, afirma Ammann. A edição da revista masculina com as aeromoças da Varig confirma que, mesmo quando o emprego se vai, a imagem fica.