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Adesões a manifesto pró-democracia passam de 165 mil

28 de julho de 2022

Documento recebeu assinaturas de banqueiros e pesos-pesados do PIB brasileiro e foi divulgado em reação a ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral. Presidente reage com desdém, e ministro espalha desinformação.

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urna eletrônica
Em desvantagem nas pesquisas, Bolsonaro tem multiplicado acusações infundadas contra o sistema eleitoralFoto: Reuters/P.Whitaker

Um manifesto em defesa da democracia organizado por nomes da Faculdade de Direito da USP angariou mais de 165 mil assinaturas em dois dias até a manhã desta quinta-feira (28/07). Divulgada na noite de segunda-feira, a "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito" foi elaborada em meio a um aumento da tensão política no país a menos de 70 dias da eleição presidencial. Embora não cite nominalmente Jair Bolsonaro, o texto é uma reposta à retórica golpista do presidente e à ofensiva do Planalto contra o sistema eleitoral do país.

Entre os signatários do documento estão banqueiros e empresários influentes, ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), artistas e personalidades da sociedade civil. Uma leitura oficial do manifesto, pelo ex-ministro do STF Celso de Mello, está marcada para 11 de agosto, na sede da Faculdade de Direito da USP, no centro de São Paulo.

O manifesto foi inspirado na chamada Carta aos Brasileiros de 1977, um texto de repúdio a ações da ditadura militar, redigido pelo jurista Goffredo da Silva Telles.

"Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional", diz o documento, que adverte ainda que o país passa por um momento de "perigo para a normalidade democrática" e "risco às instituições da República".

Signatários

Assinam o manifesto figuras como os banqueiros Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, do Itaú-Unibanco, o maior banco privado do Brasil, e Candido Bracher, ex-presidente da instituição; os empresários Walter Schalka (presidente da Suzano, gigante do setor de papel e celulose); Pedro Passos e Guilherme Leal, da fabricante de cosméticos Natura, e o atual CEO da empresa, Fábio Barbosa; Eduardo Vassimon, presidente do conselho de administração do grupo Votorantim; e o bilionário Horácio Lafer Piva, da Klabin.

Entre os signatários também estão 12 ex-ministros do STF, como Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Carlos Ayres Britto e Eros Grau. Além disso, recebeu a adesão de dois ministros do Superior Tribunal de Justiça: Rogerio Schietti e Sebastião Alves dos Reis Júnior.

O manifesto não é um endosso à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está no topo das pesquisas. Alguns nomes que assinaram o documento, como o bilionário Roberto Setubal, chegaram a manifestar preferência nos últimos meses pela presença de um candidato de "terceira via" nas eleições deste ano. Outros, como o jurista Miguel Reale Jr., atuaram para aprovar o impeachment da petista Dilma Rousseff em 2016.

No momento, Bolsonaro está em desvantagem nas pesquisas, que apontam inclusive o risco de ele perder já no primeiro turno para Lula. Os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral têm se multiplicado conforme se aproxima a data da eleição, com o presidente fazendo seguidas acusações infundadas sobre a possibilidade de fraude no pleito ou que as urnas eletrônicas não são seguras.

O manifesto foi divulgado um dia após Bolsonaro usar a convenção do seu partido para convocar um novo ato no 7 de Setembro com o objetivo de insuflar sua base radical e tentar intimidar o Supremo Tribunal Federal (STF).

"Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral", diz o documento.

"Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos", prossegue a carta.

"Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições", acrescenta o manifesto, numa clara referência às ameaças de Bolsonaro de não reconhecer uma derrota na sua campanha à reeleição.

Reação do Planalto

Bolsonaro abordou com desprezo o manifesto na quarta-feira, durante a convenção do PP, que oficializou apoio à sua chapa. "Não precisamos de nenhuma cartinha para falar que defendemos nossa democracia, para falar que cumprimos a Constituição, não precisamos de apoio ou sinalização de quem quer que seja para mostrar que nosso caminho é a democracia, a liberdade, o respeito à Constituição", disse.

Em contraste com outros manifestos dos últimos anos, que reuniram principalmente figuras da oposição ou artistas de esquerda, a presença de nomes importantes do PIB nacional causou desconforto no Planalto. A reação dos aliados de Bolsonaro foi partir para o ataque e espalhar desinformação.

O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, foi o primeiro a lançar a ofensiva, acusando os bancos de estarem contra Bolsonaro por causa das perdas de receita com cobrança de serviços após o lançamento do Pix, o mecanismo de transferências bancárias gratuitas que entrou em operação em 2020.

"Então, presidente, se o senhor faz alguém perder 40 bilhões por ano para beneficiar os brasileiros, não surpreende que o prejudicado assine manifesto contra o senhor. Mas os beneficiários, presidente, as dezenas de milhões de beneficiários do PIX vão assinar o manifesto deles também, no dia da eleição, apoiando o seu nome", disse Nogueira.

O ministro, no entanto, não explicou de onde tirou o valor de R$ 40 bilhões que os bancos teriam perdido com o Pix. Dados mais recentes apontam que a perda de receita dos bancos com a cobrança de transferências foi entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2,7 bilhões em 2021, número muito menor do que o citado por Nogueira.

Além disso, o lucro dos bancos aumentou no período, compensando em larga medida qualquer perda com o Pix – um aumento de 30% em relação a 2020. 

O Pix também foi elaborado antes do governo Bolsonaro, durante a administração de Michel Temer. Em outubro de 2020, no dia do lançamento oficial da ferramenta, Bolsonaro também demonstrou que não sabia o que era o Pix. Ao falar com apoiadores, o presidente foi questionado sobre o mecanismo de transferências e pagamentos bancários e reagiu com surpresa: "Não tomei conhecimento."

jps/lf (ots)