1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

A ofensiva de charme da Rússia na América Latina

Fábio Corrêa
21 de abril de 2023

Enquanto Moscou busca contornar as sanções impostas por EUA e Europa, giro de ministro russo na América Latina buscou reforçar laços com países que, ao menos retoricamente, têm postura neutra sobre a invasão da Ucrânia.

https://p.dw.com/p/4QOur
Lavrov aperta a mão do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega
Lavrov com o presidente da Nicarágua, Daniel OrtegaFoto: RUSSIAN FOREIGN MINISTRY/AFP

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, encerrou em Cuba nesta sexta-feira (21/04) uma viagem de uma semana na América Latina, depois de se reunir com seus homólogos e chefes de Estado na Nicarágua, Venezuela e Brasil. A missão do representante de Vladimir Putin a uma região geograficamente dentro da esfera de influência dos Estados Unidos mas tradicionalmente considerada "secundária" pelos governos russos, tem objetivos econômicos e políticos.

Enquanto Moscou busca maneiras de contornar as sanções impostas pelos EUA e pela Europa, que bloquearam 300 bilhões de euros em reservas centrais russas e mais de 1.500 indivíduos e entidades desde o início da invasão da Ucrânia, a "ofensiva de charme" de Lavrov na América Latina também procurou reforçar a força diplomática com países que, pelo menos retoricamente, assumiram uma posição neutra em relação ao conflito europeu.

Regimes de esquerda em Cuba, Venezuela e Nicarágua também enfrentam sanções dos EUA e contam com a Rússia como parceira estratégica de longa data. Em março, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução exigindo que a Rússia deixe a Ucrânia. A Nicarágua votou contra, Cuba esteve ausente e a Venezuela não votou por causa de suas dívidas com a ONU. O Brasil, por outro lado, ficou entre os 137 países favoráveis à Ucrânia.

Mas as recentes declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia foram criticadas por Washington. Depois de uma viagem à China neste mês, o presidente brasileiro disse que "os EUA precisam parar de incentivar a guerra" e pediu que o país comece a "falar em paz". Em resposta, o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Kirby, reagiu dizendo que Lula estava "papagueando a propaganda russa e chinesa". No Brasil, Lavrov não deixou passar a oportunidade. Ele agradeceu aos "amigos brasileiros" pela "compreensão". Mas o chanceler russo, que teve encontro particular com Lula, ouviu de seu colega brasileiro, Mauro Viera, que o maior país da América do Sul é contra sanções unilaterais e a favor de um cessar-fogo na Ucrânia.

A jogada de Lavrov de colocar o Brasil no mesmo grupo de Nicarágua, Venezuela e Cuba foi "esperta", segundo Angelo Segrillo, professor de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Rússia. "Ele pegou seus amigos e botou o Brasil no mesmo saco. Ele não tem tanto tempo para viajar, tem coisas urgentes para lidar, mas ele sente um Lula susceptível e tenta atrai-lo para o campo dele", disse Segrillo.

Laços econômicos

A guerra e as consequentes sanções prejudicaram a economia russa. Conforme relatado pelo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia caiu 2,1% em 2022.

Em Caracas, Lavrov anunciou cooperações russo-venezuelanas na produção de petróleo, gás, agricultura e novas tecnologias. Em Brasília, a agenda econômica concentrou-se nos acordos de exportação de carne brasileira para a Rússia e na importação de fertilizantes russos para o Brasil. O país sul-americano, que importa 80% desses insumos agrícolas, compra 20% deles na Rússia. No geral, os negócios entre os dois países atingiram recorde histórico de US$ 9,8 bilhões em 2022. Atualmente, a Rússia é o 13º parceiro comercial do Brasil, com a China (150 bilhões de dólares) em primeiro lugar e os EUA (US$ 88,7 bilhões) em segundo. Além disso, Brasil e Rússia são membros do grupo Brics, juntamente com China, Índia e África do Sul.

Lavrov aperta a mão do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira
Lavrov e o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro VieiraFoto: Ton Molin/AA/picture alliance

Segundo Dawisson Belém Lopes, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), embora não haja "dependência” entre as duas partes, a relação russo-brasileira tem sido historicamente boa. "Nesse momento, o Brasil tem tido uma postura de país nao alinhado frente à guerra russo-ucranianam o que o transforma quase automaticamente em um porto seguro na América do Sul para Vladimir Putin", explica Lopes.

China e Estados Unidos

Dadas as crescentes tensões entre os Estados Unidos e a China, a presença russa na América do Sul ainda é muito pequena para ser considerada uma ameaça econômica ou mesmo política. Como aponta Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo, o comércio russo na região é complementar para a China, por exemplo no caso de fertilizantes, e complementa o comércio de commodities. "É mais um esforço conjunto", diz Holzhacker.

Mas a aliança entre a Rússia e a China não pode ser dada como certa e é temporária devido a interesses geopolíticos, de acordo com Serguillo. ""Historicamente, sempre houve um desconforto por parte da Rússia com a China, por causa das fronteiras entre os dois países. Não existe nenhuma aliança formal entre eles, como a OTAN, por exemplo - há uma desconfiança entre os dois", diz o historiador.

Quanto aos Estados Unidos, Holzhacker diz que, embora a política externa brasileira possa ser considerada independente, não há interesse em hostilidade com os americanos devido à relação econômica. Politicamente, avalia, as declarações de Lula sobre a guerra podem ser vistas como parte dos tradicionais governos de esquerda na América Latina, que desafiaram a influência americana na região.

"Mas há uma clara divisão dentro da esquerda latino-americana em relação à invasão da Ucrânia", enfatiza, lembrando que o presidente chileno, o esquerdista Gabriel Boric, condenou a guerra e ficou do lado do presidente ucraniano Zelenski.

Holzhacker lembra que, embora o governo brasileiro esteja conversando com a Rússia, também está se posicionando dentro da ONU claramente contra a guerra. Agora estamos numa fase de retórica diz ela. "ALula continua convidado para a reunião do G7, no mês que vem. Isso significa que esses países acham que é possível ter um diálogo com o Brasil", conclui.