A Funai sob fogo
13 de junho de 2019O general Franklimberg Ribeiro de Freitas foi, nesta semana, exonerado do cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), que exercia desde o início do governo de Jair Bolsonaro. Franklimberg caiu após a pressão dos setores ruralistas sobre o Palácio do Planalto.
Trata-se da segunda vez que o general deixa este cargo por pressão do agronegócio. O mesmo ocorreu em abril de 2018, na gestão de Michel Temer. Desta vez, Franklimberg caiu atirando, no entanto, e confirmou que há no governo uma hostilidade aberta aos indígenas.
"O presidente [Jair Bolsonaro] está muito mal assessorado a respeito da condução da política indigenista no país”, afirmou Franklimberg a servidores, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo. "E quem assessora o senhor presidente da República é o senhor Nabhan. Que, quando fala sobre indígena, saliva ódio aos indígenas”, afirmou.
Nabhan é Luiz Antônio Nabhan Garcia, amigo e conselheiro de Bolsonaro que presidiu a União Democrática Ruralista (UDR) e que hoje é secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura. Conhecido adversário de movimentos sociais ligados à questão agrária, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Nabhan Garcia queria, segundo Franklimberg, "acabar" com a Diretoria de Proteção Territorial (DPT) da Funai. Este braço da entidade é responsável por ações como a identificação e a demarcação de terras indígenas.
As atividades da DPT, desde o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer, passaram a ter grande influência do agronegócio e do Partido Social Cristão (PSC), de inspiração evangélica. Para os indígenas, é um cenário aterrador.
"Nos últimos anos, a bancada ruralista e o PSC passaram a dominar cargos estratégicos na Funai, como os de proteção territorial, identificação e fiscalização, que antes entravam em litígio com os interesses do agronegócio", diz Dinaman Tuxá, um dos coordenadores da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). "Esse domínio acabou inviabilizando a atuação plena desses departamentos, prejudicando assim as comunidades indígenas e paralisando os processos de demarcação", afirma.
"Processo agressivo de invasão"
A demissão de Franklimberg não surpreendeu Dinaman. Segundo ele, apesar da postura "anti-indígena" do governo, o general impôs resistências aos ruralistas, ainda que não fosse encarado como um articulador simpático às demandas dos povos tradicionais.
"Ao tentar minimamente exercer seu papel enquanto presidente da Funai, que é defender os direitos dos povos indígenas, ele foi ceifado do cargo, por não atender os anseios de uma bancada que milita contra os indígenas", afirma.
Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Igreja Católica, avalia que a demissão de Franklimberg tenha relação com a derrota do governo nos debates a respeito da Medida Provisória 870.
A MP reorganizava a administração federal, removia a Funai do âmbito do Ministério da Justiça e a colocava sob o comando do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Além disso, a medida retirava da Funai a função de demarcar terras indígenas e a transferia para o Ministério da Agricultura. No Congresso, essas mudanças foram rejeitadas.
"Diante dessa derrota, os ruralistas fizeram, de imediato, um movimento em relação à presidência da Funai, para tentar tomar de vez o órgão e instrumentalizá-lo de acordo com os interesses do agronegócio", afirma Buzatto.
Tanto a Apib quanto o Cimi acusam o governo de tentar enfraquecer e sucatear a Funai. No mesmo discurso revelado pela Folha de S.Paulo, o general Franklimberg disse que o órgão sofre com falta de dinheiro e pessoal e que a Funai é vista pelo governo Bolsonaro como "óbice ao desenvolvimento nacional".
"Enquanto o direito à demarcação está sendo desrespeitado, ao mesmo tempo observamos um processo agressivo de invasão e esbulho contra terras indígenas já demarcadas", afirma Buzatto, do Cimi. "Sob a omissão praticamente absoluta do governo federal, elas estão sendo objeto de invasão, loteamento, comércio de lotes, desmatamento e estabelecimento de posse criminosa”, diz, citando as terras indígenas Karipuna e Uru-eu-wau-wau, em Rondônia, e Arara, no Pará.
"Nossas perspectivas são as piores possíveis"
Este cenário ajuda a comprovar, para os povos indígenas, que o governo é despreparado para lidar com a questão e se comporta de maneira autoritária e racista. Bolsonaro defendeu, durante a campanha eleitoral de 2018, a exploração econômica das terras indígenas, com atividades como mineração, e prometeu paralisar as demarcações. Além disso, comparou índios em reservas a animais em zoológicos.
"Esse discurso contra os povos e seus direitos tem potencial muito grande de provocar iniciativas por parte de grupos anti-indígenas nas regiões onde esses povos vivem", afirma Buzatto. "São grupos que historicamente alimentam o sentimento de preconceito, mas que se sentiam inibidos pelas garantias legais e constitucionais que agora são questionadas publicamente pelos mandatários do poder executivo", diz.
No início de março, o presidente Bolsonaro decretou que a construção de uma linha elétrica para conectar Roraima ao Sistema Interligado Nacional (SIN) era parte da "Política de Defesa Nacional", estratégia para acelerar o licenciamento ambiental de uma obra que passa pela Terra Indígena Waimiri Atroari sem ouvir este povo.
No fim de março, indígenas foram às ruas de diversos estados protestar contra alterações pregadas pelo Ministério da Saúde nos serviços de atenção básica. Em abril, quando povos de todo o país fizeram encontro em Brasília, foram submetidos à vigilância da Força Nacional de Segurança Pública, uma ação determinada pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.
A partir do fim desta semana, a Funai volta a estar sob o Ministério da Justiça de Moro, mas isso não é visto exatamente como um alívio. O ministro antecipou não ter "interesse” em cuidar da questão indígena. Engolfado na crise surgida por conta de sua atuação na Lava Jato, Moro deve dar ainda menos atenção aos indígenas. É um quadro que provoca tensão.
"Nossas perspectivas são as piores possíveis, porque mesmo a Funai voltando para o Ministério da Justiça nós continuamos esbarrando numa política de extermínio”, afirma Dinaman, da Apib. "Há uma intenção muito clara de não fortalecer a Funai e paralisá-la por asfixia, porque ela não terá as condições mínimas de funcionar de forma plena”, conclui.
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