A força destruidora da lama
2 de fevereiro de 2019Com uma velocidade de até 70 quilômetros por hora, o fluxo de rejeitos que escorreu da barragem I da Vale em Brumadinho há uma semana não deu chances de sobrevivência para o que encontrou pela frente.
A velocidade da lama, calculada por cientistas do Centro de Apoio Científico em Desastres (Cenacid), que tem base na Universidade Federal do Paraná, impressionou até quem está acostumado a pesquisar o tema.
"Seria virtualmente impossível para as pessoas que foram apanhadas de surpresa pelo fluxo conseguirem escapar. É como uma avalanche. A velocidade do material é muito grande", conclui Jefferson Picanço, geólogo professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Cenacid.
Picanço acaba de voltar de Brumadinho. Ele foi a campo ajudar a produzir um mapa que aponte os prováveis locais para onde corpos foram levados pela força da lama.
"E pensar que foi uma estrutura humana que causou toda essa tragédia. Isso me impressionou bastante. Como a gente consegue fazer isso?", questiona o cientista que, até então, estava acostumado a fazer cálculos semelhantes relacionados a desastres naturais.
Ciência em campo
Com o mapa em mãos, a equipe de resgate usa as informações como apoio no planejamento das operações de busca no campo. Pouco mais de uma semana após o colapso da barragem, 226 pessoas continuam desaparecidas, e 121 corpos foram encontrados.
"Essa informação pode servir como um guia na investigação de áreas possíveis para resgate de corpos", explica Rafael Pereira Machado, do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad).
Menos de 24 horas depois da tragédia, um outro mapa, produzido por cientistas integrantes de um consórcio internacional, orientou as equipes nas primeiras imersões na área afetada. A rede, formada por agências espaciais de diferentes países, disponibiliza dados de satélites para instituições que fazem gerenciamento de desastres.
"O serviço foi acionado pelo Cenad, e conseguimos gerar os mapas rapidamente. Tínhamos à disposição imagens de um radar que passou sobre o local atingido logo depois", disse Laércio Massaru Namikawa, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que coordena a colaboração no Brasil.
Com as observações feitas do espaço, a mancha da inundação de lama ganhou coordenadas geográficas. "Elas iam diretamente para pilotos dos helicópteros que buscavam vítimas", conta Pereira Machado.
Fluxo de destruição
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) estima que a lama da mineradora Vale em Brumadinho tenha destruído pelo menos 270 hectares – o equivalente a 270 campos de futebol.
"O fluxo da lama tem diferentes graus de energia. No começo, é muito destrutivo. Ao final, ele se deposita e se espraia", explica Picanço, da Unicamp.
Os rejeitos, que despencaram de uma altura de 86 metros, o equivalente a um prédio de 28 andares, erodiram o solo com sua força, engoliram prédios e vegetação. "Infelizmente, a chance de achar todos os corpos é muito pequena, vai ser muito difícil", pondera Picanço, que retorna a Brumadinho para uma nova missão na próxima semana.
Até chegar ao rio Paraopeba, o mar de lama percorreu 7,3 quilômetros pelo solo. Em alguns pontos, a espessura do material acumulado chega a 14 metros. Segundo os pesquisadores, o fluxo de rejeitos desceu até o vale e, enquanto tinha energia, arrebentou tudo o que encontrou. Ao fim do percurso, um pouco antes de chegar ao rio, ele começou a perder energia e depositou a lama.
A equipe do Cenacid fez coleta de material ao longo do trecho impactado, que vai passar por análises químicas. Os cientistas querem saber a composição da lama que agora está no ambiente. Os pesquisadores também vão recomendar algumas ações para controlar o fluxo de sedimentos no Paraopeba, que está com um trecho impedido pelos rejeitos.
"Em 15 minutos, o desastre em Brumadinho fez o que a natureza leva milhares de anos para fazer", lamenta Picanço.
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