A fábrica de sonhos do comunismo
14 de outubro de 2003Rostos sorridentes em corpos que irradiam força e saúde. Paisagens idílicas, camponeses bem vestidos. Prédios e construções que querem alcançar o céu. Soldados orgulhosos, trabalhadores esforçados e, reinando sobre todos, o grande líder Stalin, de braços abertos, como a abraçar seu povo. Esses são alguns motivos do realismo socialista na União Soviética (de 1922 a 1953). Todos eles saídos da Traumfabrik Kommunismus - Fábrica de Sonhos Comunismo - esse o título de uma exposição na Schirn Kunsthalle, em Frankfurt.
Ao todo seus realizadores reuniram 200 objetos. Não apenas quadros, como também cartazes, desenhos, esculturas e filmes. Eles integram coleções como a da Galeria Tretjakovskij, do Museu Histórico de Moscou ou da Biblioteca Estatal Russa. Alguns são exibidos pela primeira vez desde a morte de Stalin (1953).
Cultura de massas no Ocidente e no Leste
Os curadores Boris Groys (Alemanha) e Zelfira Tregulova (Rússia), fizeram questão de prescindir de obras museais. Escolheram sobretudo trabalhos que serviram de base para reprodução em massa, sob a forma de ilustração de livros escolares ou cartazes. A estética no contexto de uma cultura de massas, que apresenta "uma notória semelhança" com a cultura de massas americana, segundo Boris Groys.
A grande diferença estaria nos valores e no sistema que cada qual procura glorificar: a "fábrica de sonhos do comunismo", na Europa Oriental, tem seu pendant na "fábrica de sonhos de Hollywood", a grande máquina de difusão da american way of life. Ou, usando-se uma velha terminologia marxista: a cada infra-estrutura econômica corresponde uma supra-estrutura de valores e metas que as culturas de massas oferecem a seus cidadãos, ou mesmo impõem, ao confrontá-los maciçamente com tudo aquilo apresentado como "bom", "bonito" ou "digno de ser cobiçado".
O socialismo como produto
Na formação da cultura de massas, Estados Unidos e União Soviética souberam produzir e divulgar imagens publicitárias com grande eficácia. No entanto, há uma segunda diferença entre ambos, quanto ao objeto da campanha. Enquanto no Ocidente os diversos produtos a serem adquiridos estão em primeiro plano - sendo a sugestão do estilo de vida direta ou subliminar - na União Soviética o "produto" é o comunismo, a ideologia.
"A arte do realismo socialista era uma grande campanha publicitária, com o objetivo de animar as pessoas para a construção do socialismo", complementa o curador da exposição. "No seu conceito, ela era uma cultura de massas que, de fato, ainda não existia dessa forma, mas que deveria existir no futuro". Ao contrário da propaganda moderna, ela não tinha em mira um "público alvo" especial, mas se dirigia a toda a humanidade, conclamando a "comprar o produto do comunismo", nas palavras de Boris Groys.
Da vanguarda à SozArt
A propaganda soviética não fica a dever à ocidental quanto à técnica. Max Hollein, direitor da Schirn Kunsthalle, vê alguns paralelos: "Cartazes, outdoors e quadros com caráter de apelação - todas essas técnicas e linguagens imagéticas desenvolvidas pelo realismo socialista, ou de que ele se serviu, foram incorporadas pela propaganda moderna".
A exposição da Schirn Kunsthalle apresenta obras de três fases: o brilhante período de vanguarda (1928-1933), com obras de estética apurada e nível internacional; o do realismo socialista propriamente dito (1922-1953); e de uma terceira fase, a partir de 1953, conhecida na Alemanha como SozArt (Soz de Sozialismus). Trata-se de uma corrente artística que trabalhou de forma crítica a estética socialista, após a morte de Stalin, pelo que é contraposta à arte pop. Erik Bulatov, Ilya Kabakov e Boris Mikhailov são alguns artistas da SozArt, com obras expostas em Frankfurt.
O realismo socialista está representado por Kasimir Malevitsh, Alexander Gerassimov e Isaak Brodski. E quem imagina tratar-se de quadros de mau gosto, está muito enganado. Não só pela qualidade técnica dos trabalhos, mas também porque os artistas russos não caíram na tradição da pintura naturalista do século 19 - o que aconteceu com a pintura alemã durante o nazismo. Eles deram continuidade à estratégia da vanguarda russa que, por si, já tinha por objetivo uma remodelação total da vida em termos políticos e estéticos.
A exposição Fábrica de Sonhos Comunismo faz parte do programa cultural que acompanha a Feira Internacional do Livro, em Frankfurt, que teve este ano a Rússia como país de destaque. A exposição vai até 4 de janeiro de 2004.