A Europa deve sucumbir à política de favores de Trump?
5 de dezembro de 2019O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que não compareceria às audiências do processo de impeachment contra ele. Enquanto isso, no Congresso americano, autoridades soturnas do governo vêm revelando fatos e gerando alarme.
Os depoimentos do embaixador americano na Ucrânia, Bill Taylor, do funcionário do Departamento de Estado David Holmes e da consultora de segurança nacional Fiona Hill, entre outros, jogam luz sobre como algumas das prioridades da política externa de Trump se baseiam em suas ambições políticas.
O embaixador dos EUA na União Europeia (UE), Gordon Sondland, afirmou em depoimento que o governo conta de fato com um quid pro quo – ou o popular "toma lá, dá cá" – e não se acanhou em usar todos os meios diplomáticos a seu dispor para atingir seus objetivos. Ele inclusive disse que era esse seu trabalho.
Com a UE e a Otan voltadas para o fortalecimento da Ucrânia contra as agressões da Rússia, foi desconcertante ouvir Holmes, que trabalhou em Kiev, recontar a conversa que teria tido com Sondland após este sair de um telefonema com Trump.
"Perguntei ao embaixador Sondland se era verdade que o presidente 'não dava a mínima' para a Ucrânia", relatou ele aos congressistas americanos durante o inquérito de impeachment.
"O embaixador Sondland concordou que o presidente 'não dava a mínima' para a Ucrânia e que o presidente apenas se importava com 'coisas grandes'. Observei que havia 'coisas grandes' ocorrendo na Ucrânia, como uma guerra com a Rússia. O embaixador Sondland explicou que se referia a 'coisas grandes' que beneficiassem o presidente, como a investigação sobre [o ex-vice-presidente Joe] Biden, pela qual Giuliani estava pressionando", disse, referindo-se a Rudy Giuliani, advogado de Trump.
Com Alemanha e França liderando os esforços europeus para tentar pôr fim à referida "guerra com a Rússia" em uma reunião marcada para 9 de dezembro, a desunião no lado Ocidental poderia encorajar Moscou a manter o apoio aos separatistas na luta contra o governo ucraniano.
Além disso, o enviado americano à Ucrânia, o ex-embaixador dos EUA na Otan Kurt Volker – bastante conhecido em Bruxelas –, também foi pego no escândalo, acusado de ajudar a Casa Branca a pressionar Kiev em benefício de Trump.
Ian Bond, atual diretor de política externa do think tank Centro para a Reforma Europeia, trabalhou como diplomata britânico em Washington no início de sua carreira. Ele afirma que, em circunstâncias normais, todos aqueles que lidam com os Estados Unidos na Ucrânia saberiam quem são seus interlocutores na embaixada, no Departamento de Estado e no Conselho de Segurança Nacional. Ninguém teria procurado o advogado pessoal do presidente ou o embaixador na União Europeia.
"Para muitos governos, este será um território bastante desconfortável, porque eles também podem ver como isso sai pela culatra", explicou Bond à DW. "Você pode falar com alguém que afirme estar fazendo X ou Y pelo presidente e, quando se der conta, suas conversas poderão ser tema de audiências em um processo de impeachment."
Ele acrescenta que, "com isso, os governos europeus pragmáticos sem dúvida aprenderão que se deve estar atento a quem são os comparsas do presidente... um modo bastante disfuncional de fazer negócios".
Em seu testemunho, David Holmes também explicou como Sondland aconselhou Trump a lidar com o caso do rapper americano ASAP Rocky, que estava preso na Suécia acusado de agressão, um tema que o presidente tratou publicamente e que também diz muito sobre a política externa promovida por Trump.
"O embaixador Sondland aconselhou o presidente a 'deixar que ele fosse condenado, dizer que se trata de um caso de racismo e realizar uma parada de boas-vindas quando ele retornasse para casa'."
Sondland teria mais tarde dito a Trump que a Suécia deveria ter tomado ações após ele se pronunciar sobre o caso. A Justiça sueca "deveria tê-lo libertado após suas palavras, mas o senhor pode dizer à família Kardashian que pelo menos tentou", disse Sondland, mencionando a célebre família americana que intercedeu junto ao presidente pela libertação de ASAP Rocky.
Efeitos das revelações na política externa
Iveta Cherneva, uma analista independente de política externa da Bulgária, avalia que o possível impacto dessas revelações não é algo meramente hipotético: ela diz já ter visto os efeitos antes mesmo da recente visita do primeiro-ministro búlgaro, Boyko Borissov, à Casa Branca.
Apesar de a Bulgária ser membro da União Europeia e um aliado na Otan – aliás, um dos poucos que dedica mais que 2% de seu Produto Interno Bruto (PIB) aos gastos com defesa –, Cherneva afirma que seu governo está nervoso. As práticas da Casa Branca "enviam um sinal claro de que é preciso trabalhar em torno da agenda pessoal de Trump para que se possa ser levado a sério na política externa americana", diz.
"Então, em vez de focar no que realmente está acontecendo, se você é a Bulgária, acaba pensando – e alguns comentaristas daqui chegaram de fato a propor isso: será que deveríamos oferecer uma Trump Tower? Deveríamos oferecer um campo de golfe? E como podemos passar por essas pequenas 'armadilhas Trump' que ele coloca no caminho para que possamos entrar na agenda dos temas importantes?"
Esse tipo de ajuste por parte dos aliados é algo bastante perturbador na opinião de Rachel Rizzo, analista de segurança transatlântica que colabora com o Instituto Robert Bosch em Berlim. "É quase como se as pessoas tivessem aceitado o que está acontecendo como o 'novo normal', o que não deveria ocorrer. Nada do que está acontecendo é normal", diz ela à DW.
Rizzo ressalta que os países da Europa devem sair em defesa de uma diplomacia tradicional e mais transparente. "Serão necessários mais esforços por parte dos europeus", afirma.
"Ninguém quer sentir a ira de Trump por ele ser tão imprevisível. Então as pessoas permanecem em uma corda bamba, sem saber como reagir ou o que fazer. Enquanto isso, qualquer forma de aprofundamento das relações fica completamente bloqueada."
O impacto do drama do impeachment no humor volátil de Trump esteve em total evidência nesta semana, durante a cúpula dos líderes da Otan em Londres, o primeiro evento internacional de grande porte do qual ele participa desde o início do inquérito. A sessão chegou a ser reduzida para apenas três horas, em parte para evitar possíveis desastres de relações públicas.
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