A eterna herança do nazismo
16 de novembro de 2002Jens Puhle, 30 anos, e Heinrich Sawatzki, 41, declararam em entrevista a jornais ingleses que não suportavam mais a discriminação e as piadas racistas no ambiente de trabalho. Na sede do grupo norte-americano Motorola, em Swindow Wiltshire na Inglaterra, os dois alemães afirmam terem sido insultados com freqüência por seus colegas, além de serem obrigados a ouvir constantemente alusões a Hitler e ao passado nazista da Alemanha.
Puhle e Sawatzki disseram em entrevista à imprensa britânica que o sotaque alemão era motivo freqüente de piada na sede da Motorola, o que tornou o trabalho quase impraticável. Outros alemães que passaram por ali, segundo Puhle e Sawatzki, também acabaram por deixar o emprego em função do comportamento racista de seus colegas ingleses.
Nação como signo –
O caso ilustra um tema que na mesma semana ocupou as páginas do semanário Die Zeit: o caráter simbólico da Alemanha como nação, que mesmo contra a vontade da nova geração tem e terá que carregar o fardo de seu passado. "Os alemães são, ao contrário de outros povos, um emblema, um signo", observa o escritor norte-americano C. K. Williams, ganhador do prêmio Pulitzer em 2000.O que os alemães "sofrem" hoje, no entanto, é apenas um exemplo do que qualquer criança pertencente a minorias étnicas discriminadas passa, para defender um lugar na ordem social regente. "Para muitos alemães isso é, no entanto, terrível", observa Williams. Certamente não é agradável reconhecer que não se "é" apenas, mas que a própria identidade é definida por uma história, da qual não se participou diretamente.
Carga simbólica –
Trata-se, no caso, segundo Williams, de uma carga simbólica que os alemães serão obrigados a carregar por muito tempo, pois "o pensar simbólico não funciona como um ato consciente. Símbolos não conhecem justificativas nem são passíveis de explicação lógica". Assim, por mais que grande parte da nova geração no país insista em bater na tecla do "que tenho eu a ver com isso", as referências ao nazismo deverão acompanhar a Alemanha ainda por muito tempo.Há de se notar, segundo Williams, que "os alemães carregam sua carga simbólica somente há algumas gerações, enquanto os judeus sofrem há séculos com tal destino". Exatamente por isso, é provável que os alemães consigam se livrar do peso de "serem um símbolo" antes dos judeus, cujo simbolismo "já está tão profundamente gravado na psiquê do mundo, que eles não parecem ter qualquer possibilidade de viver normalmente", completa Williams em texto publicado no Die Zeit.
Um como os outros –
No afã de "viver normalmente" e passar uma borracha no passado recente (sob o ponto de vista histórico), a Alemanha primou-se por tentar passar a imagem de "um país como os outros", caracterizado por sua indústria bem sucedida e seus fiéis consumidores. No entanto, é improvável, para não dizer impossível, que a construção de monumentos e museus seja suficiente para transformar a imagem do país."A edificação de prédios envidraçados não pode ser hoje uma resposta aos cacos de vidro da Noite dos Cristais. A vergonha da estrela de David não pode ser apagada através de milhares de lojas modernas e luxuosas. Dos alemães, espera-se que não meçam o valor de sua nação de acordo com a eficiência de suas fábricas e de seu comércio exterior, mas que provem esse valor através de atos, aos quais outras nações não são obrigadas", finaliza Williams.