A dura vida dos alemães logo depois da guerra
5 de maio de 2005Milhões de metros cúbicos de entulho eram a única coisa que restou das metrópoles alemãs depois do final da Segunda Guerra Mundial. A reconstrução foi trabalho para as mulheres e crianças, pois os homens que sobreviveram à guerra ainda não haviam retornado para casa. Dos 20 milhões de alemães enviados às frentes de batalha, mais da metade encontravam-se em campos de prisioneiros em maio de 1945.
Um destes campos esteve localizado em Bretzenheim, no Estado da Renânia-Palatinado. Georg Cichon, prisioneiro dos franceses, lembra: "O acampamento não tinha nenhuma barraca. Dormíamos no chão e, quando chovia, na lama. Ficamos lá até outubro. Tropas marroquinas nos vigiavam. Quando estavam bêbados, começavam a atirar para dentro do campo. Os prisioneiros morriam em massa. Recebíamos uma fatia de pão branco por dia e um pouco de sopa rala."
Fome e epidemias eram rotina nos campos de prisioneiros, conta Cichon, que esteve confinado num campo francês, mas também conheceu outros. "Nem sempre, mas em geral os controlados pelos russos eram os piores. Os soldados pareciam dominados pelo ódio cego contra as crueldades praticadas pela Wehrmacht e pela SS", diz Cichon.
Também mulheres prisioneiras
Entre os 3,3 milhões de alemães vigiados pelos russos, estava a ajudante da artilharia antiaérea Margareta Schuster. Ela conseguiu escapar antes de ser transportada para os campos de trabalho forçado na então União Soviética. Margareta lembra que não havia espécie alguma de refúgio no campo: "Quando chovia, colocávamos folhas de ruibarbo na cabeça, para não nos molharmos".
A maioria dos alemães permaneceu presa apenas por um ano. Os últimos prisioneiros dos aliados ocidentais foram libertados em 1950. Mas quem estava nas mãos dos soviéticos sofreu mais: 1,3 milhão de prisioneiros morreram no cativeiro. Os primeiros só foram soltos em julho de 1946 e os últimos retornaram dos campos de trabalho forçado do norte da União Soviética em 1956.
Reconstruir, tarefa de Sísifo
Os bombardeios às cidades alemãs haviam deixado 20 milhões de desabrigados no país. Quatrocentos milhões de metros cúbicos de entulho tiram de ser removidos. Um comparativo para demonstrar a situação: dos 750 mil habitantes de Colônia antes da guerra, haviam restado 40 mil.
Era tarefa de mulheres e crianças transportar pedras, tijolos e outros materiais que ainda prestassem para a reconstrução. Onde não havia cavalos, eram as próprias mulheres que puxavam os carros carregados. Quem ajudasse, recebia maiores rações de alimentos. Estas mulheres passaram a ser conhecidas como "trümmerfrauen" (mulheres dos entulhos, veja Calendário Histórico abaixo).
Casais separados durante longos anos, filhos que não conheciam os pais ou esposas que tiveram filhos com outros homens foram problemas comuns nesta época. Atender às famílias desmembradas foi tarefa, por exemplo, de Gerhard Körtner, da Igreja Evangélica Alemã. "Não se pode imaginar a quantidade de separações que houve naquele tempo. Os juizados estavam abarrotados de trabalho. Eu mesmo não consegui salvar nenhum casamento", lamenta.
Luta diária pela sobrevivência
Os alemães que resistiram à guerra são confrontados agora com a luta pela sobrevivência. O principal problema era a fome. O inverno rigoroso de 1946 para 1947 levou a crises no abastecimento de combustível e, conseqüentemente de alimentos. A insatisfação popular foi expressa em manifestações nas ruas.
O mercado negro e as vendas ilegais floriam, como narrou um repórter: "Adultos e crianças com sacolas nas mãos vendem principalmente cigarros, chocolate e café". Havia vales para alimentos, mas devido à escassez de comida eles não valiam o papel em que foram impressos. Como o Leste alemão, antes fornecedor de hortifrutigranjeiros, havia passado ao jugo polonês, não havia de onde tirar produtos agrícolas.
Neste aspecto, quem morasse no campo estava em vantagem, pois tinha condições de plantar e de criar animais. Isso não passou despercebido dos moradores urbanos. Ursula Mertlich, de Colônia, lembra-se que de manhã cedo sua mãe calçava os sapatões de alpinista para ir de agricultor a agricultor mendigar por batatas, pão, legumes ou ovos: "À noite, ela chorava de dor nas pernas, mas tínhamos o que comer".
Alguns agricultores dividiam, mas outros se aproveitavam da situação. Theo von Birgelen, com 10 anos de idade em 1945, morava numa área rural no extremo oeste alemão e lembra-se de vizinhos que exploravam os famintos e diziam: "Já temos tudo, só nos falta um tapete persa no estábulo".
Dinheiro sem valor
Num país onde tudo estava por ser reconstruído, também o dinheiro havia perdido o valor. O comércio funcionava na base do escambo, a troca de produtos ou serviços sem fazer uso de moeda.
Margareta Schuster, por exemplo, viajou vários anos seguidos para o interior, onde permanecia de seis a oito semanas, ajudando poloneses ou ucranianos na colheita. O problema era atravessar a fronteira de volta com os produtos recebidos como pagamento, pois isto era proibido nas quatro zonas de ocupação. Ela lembra: "O trem sempre parava em Rolandseck para o controle dos passageiros pelos soldados franceses. Era terrível quando tiravam tudo da gente e destruíam na nossa frente".
Ursula Mertlich também passou por experiência semelhante. "Os aliados não perdoavam. Ao chegarmos à estação ferroviária, já éramos esperados pela polícia militar norte-americana. Tínhamos de entregar tudo e seguir de mãos vazias", lamenta.
No inverno, o cobiçado carvão era escasso, pois o produto serviu aos aliados para compensar reparações de guerra. Desesperados, muitos alemães o roubavam dos vagões em que era transportado para fora do país. Margareta Schuster lembra que certa vez um grupo de pessoas fechou a cancela numa passagem de nível, obrigando o trem a parar. "Alguns subiram no vagão e jogaram o carvão para a gente apanhar lá embaixo", diz, e chora ao exibir uma reportagem feita 10 anos após o final da guerra, intitulada "Os ladrões de carvão em Colônia", em que aparece numa foto ao lado da mãe.