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MigraçãoAmérica Latina

A diáspora libanesa na América Latina

18 de outubro de 2024

Integrada, pluralista, democrática. A comunidade libanesa, com grande presença no Brasil e na Argentina, se tornou parte do tecido social latino-americano. Crise atual no Oriente Médio divide opiniões.

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Fachada do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo
O Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, é um dos mais importantes do Brasil Foto: Rahel Patrasso/Photoshot/picture alliance

"Bem sucedida, integrada, pluralista, democrática e nada fanática". Essa é a definição de Sergio Jalil sobre diáspora libanesa na América Latina. Ele é diretor do Centro de Estudos Libaneses para a América Latina (Celibal) e uma referência em migração libanesa.

O pequeno país mediterrâneo, que passou a ocupar as manchetes internacionais nas últimas semanas em razão do conflito no Oriente Médio, é o ponto de origem de milhões de pessoas que partiram em diversas ondas migratórias nos últimos 140 anos.

"Eles se integraram. Não se diferenciam, sempre reconhecem sua identidade libanesa, mas são verdadeiros latino-americanos, participando da vida local", descreve Jalil.

O Brasil é um dos países com mais libaneses em todo o mundo, embora eles se encontrem em grande número também na Argentina, México, Venezuela, Paraguai, Colômbia, Equador, El Salvador, Honduras, Costa Rica e República Dominicana – neste último, o presidente, Luis Abinader, é de origem libanesa. Entre os nomes mais conhecidos de latino-americanos com origem no Líbano estão, sem dúvida, os da cantora Shakira e da atriz Selma Hayek.

"A diáspora libanesa teve impacto significativo na vida social, política e econômica nos países que a receberam, especialmente na América Latina, onde há um número relevante de libaneses, ou de pessoas com origem libanesa, que ocupam ou já ocuparam posições relevantes na política, comunicação, no comércio e nos negócios, de [o empresário mexicano] Carlos Slim até Carlos Menem, Michel Temer, ou Julio César Turbay Ayala [ex-presidentes da Argentina, Brasil e Colômbia, respectivamente], afirmou à DW Ángela Suárez Collado, professora e diretora acadêmica de mestrado na Global and International Studies da Universidade de Salamanca.

Fenômeno migratório difícil de medir

É difícil de quantificar o número exato de libaneses na América Latina. Em primeiro lugar, por que durante as ondas migratórias do final do século 19 e do início do século 20, muitos chegavam ao continente com passaportes do antigo Império Otomano, o que tornava difícil distinguir se as pessoas vinham do Líbano ou da Síria.

"No caso da Argentina, todos eram chamados de turcos", explica Jalil. Muitos dos registros foram perdidos e houve casos de pessoas que foram duplamente registradas por terem retornado temporariamente ao Líbano e em seguida voltado à Argentina, onde acabaram sendo novamente inscritas.

Sergio Jalil destaca ainda outro fator. "Naquela época, a Argentina tentava atrair a imigração europeia, de países supostamente civilizados, de modo que, quem chegava do Império Otomano tinha que pagar alguns pesos e era deixado em quarentena por vários dias por suspeita de portar doenças. Muitas dessas pessoas foram forçadas a mudar seus sobrenomes. Na Argentina, 60% dos sobrenomes foram modificados, sendo traduzidos para o idioma espanhol para parecer que vinham da Europa", explicou.

Brasil e Argentina têm as maiores comunidades

O Brasil e a Argentina possuem as comunidades de origem libanesa mais numerosas da América Latina. Na primeira onda migratória, em torno do início do século 20, esses dois países se desenvolviam rapidamente. Eles "importavam muitos produtos da Europa e exportavam muitos produtos que os europeus queriam", explicou Jalil. Os libaneses tiraram proveito dessas rotas comerciais, das embarcações e infraestruturas disponíveis para movimentar suas próprias atividades.

Nas onda migratórias posteriores, já no século 20, a América Latina, devido à instabilidade politica e econômica, deixou de ser um dos principais destinos dos libaneses, que passaram a preferir países como Canadá, Austrália e algumas nações africanas.

A sombra do Hezbollah

A exceção foi a onda que atraiu os muçulmanos xiitas vindos do sul do Líbano nas décadas de 1980 e 1990, que se instalaram na fronteira do Brasil com o Paraguai e entre a Colômbia e a Venezuela. "Ali, viram que havia falta de controle e uma oportunidade para o contrabando", diz Sergio Jalil .

Ao mesmo tempo, a maioria dos libaneses cristãos na Venezuela partiu para os Estados Unidos, México ou Espanha; os que permaneceram no país são muçulmanos xiitas que apoiam o governo do presidente Nicolás Maduro, uma vez que há inúmeras oportunidades de negócios entre o regime venezuelano e o Irã, o Líbano e o Hezbollah. Segundo Jalil, existem na Venezuela células presentes e ativas do Hezbollah.

A presença documentada do Hezbollah na fronteira entre o Brasil e o Paraguai se dá em razão das falhas do controle estatal nessa região. "O Hezbollah enviou para lá algumas pessoas e começou a fazer negócios. Alguns começaram a trabalhar para o Hezbollah e entraram para o tráfico de drogas e para o contrabando. E isso era uma fonte de financiamento para o Hezbollah", explicou Jalil.

Crise atual divide comunidade libanesa

O diretor do Celibal avalia que a comunidade está dividida em relação aos acontecimentos recentes no Líbano.

"A maioria deles são cristãos e enxergam o Hezbollah como uma entidade que sequestrou o país, que se transformou no controlador do Líbano. [Para eles,] os princípios políticos, teológicos e ideológicos do Hezbollah vão contra o que o Líbano deseja ser: um país cosmopolita, pluralista, multirreligioso e democrático", observou.

Ele, porém, ressalta que a diáspora também não apoia o que Israel vem fazendo na Faixa de Gaza e no Líbano. Para os libaneses na América Latina, o Líbano "está sendo vitimado por duas entidades messiânicas, Israel e o Hezbollah."

Muitas pessoas de origem libanesa estão reunidas em associações e clubes fundados com a missão de manter vivo o contato com a terra e as tradições. "Em toda cidade importante da América Latina há um clube libanês ou sírio-libanês, por que, no início [as duas nacionalidades] não se diferenciavam. [Essas associações] foram fundadas no início do século 20, quando o Líbano ainda não era um Estado independente."

"No Brasil, há cerca de 200 associações, sendo que na Argentina, são mais de 120. No México há menos, mas elas são muito importantes", disse Jalil. Estas são organizações sociais onde pode-se desfrutar a gastronomia, música e dança libanesas, elementos que formam a coesão das diversas experiências dessa diáspora na América Latina.