A crise no Bayern
27 de novembro de 2018Desde o fim da era Pep Guardiola, em meados de 2016, o Bayern Munique nunca mais foi o mesmo. Veio Carlo Ancelotti, que, com seu temperamento tranquilo, contrastava fortemente com o estrelismo do antecessor. Para a diretoria bávara era importante ter um treinador sereno no comando técnico, de preferência sem incomodar as hierarquias e estruturas organizacionais do clube como vira e mexe tentava fazer Guardiola.
Só que no pacote Ancelotti veio também um futebol conservador muito longe das expectativas da exigente torcida, além do fraco desempenho na Liga dos Campeões. Pouco mais de um ano após sua contratação, o treinador italiano foi demitido. A derrota para o PSG foi a gota d'água. No seu lugar, para quebrar o galho mais uma vez, assumiu o bom velhinho Jupp Heynckes, que levou o time a mais um título da Bundesliga além de uma participação honrosa na Champions, onde foi eliminado apenas na semifinal pelo Real Madrid (1:2 e 2:2).
Na época, à boca pequena comentava-se nas cervejarias de Munique que o presidente do Bayern, Uli Hoeness, queria a todo custo que Heynckes ficasse por pelo menos mais uma temporada. Nada feito. Jupp preferiu se aposentar, desta vez em definitivo, para poder cuidar melhor da família e passear com seu pastor alemão Cando.
Sem muita opção no mercado, o Bayern decidiu chamar Niko Kovac, um técnico com pouca experiência - dirigiu a seleção da Croácia (2013-2015) e o Eintracht Frankfurt (2016-2018).
Com o Eintracht conquistou a Copa da Alemanha em maio do ano em curso justamente em cima do Bayern. Kovac enfatiza um futebol de forte presença física aliada a um inabalável espírito de equipe, sem muitas filigranas táticas. Valoriza também o companheirismo entre os integrantes do elenco do tipo: "Unidos venceremos". Não por acaso, o Eintracht Frankfurt, na temporada passada, foi um dos times mais indisciplinados da competição, acumulando em média quase dois cartões amarelos por jogo.
Para o Bayern Munique a contratação de Niko Kovac é um experimento arriscado cujo resultado ninguém sabe ao certo no que vai dar. Os cartolas bávaros decidiram correr este risco confiando justamente na capacidade do técnico de implementar no time as antigas virtudes de um futebol mais combativo e menos "tiki-taka".
Apenas 12 rodadas depois, os resultados são deprimentes: quinto lugar na tabela (se terminar assim, será seu pior resultado em duas décadas), quinto ataque (23 gols), quinta defesa (17 gols). E o pior: sem padrão de jogo e sem opções táticas. Muito pouco para uma equipe cujo valor de mercado é avaliado em 800 milhões de euros! Como comparação, o elenco do Borussia Dortmund vale 470.
Os números não mentem: após a quarta rodada, o Bayern tinha quatro pontos de vantagem sobre o Dortmund. Oito rodadas depois está nove pontos atrás dos auri-negros. Pior: nestas últimas oito rodadas acumulou apenas nove pontos, enquanto o Borussia somou 22.
O time está jogando mal e sem inspiração. Jogadores supostamente de classe mundial cometem erros infantis. A defesa é vulnerável principalmente quando o assunto é contra-ataque em alta velocidade e o ataque fica dependendo somente de Lewandwoski ou das arrancadas da dupla Robben/Ribery.
Acrescente-se a todo esse marasmo não apenas a má condição técnica e física de alguns jogadores, mas também certo desequilíbrio emocional que ocasionalmente vem à tona.
Foi assim, por exemplo, há duas semanas quando Frank Ribéry, logo após o jogo com o Dortmund, sem motivo aparente e visivelmente irritado, deu um baita tapa na cara do jornalista Patrick Guillou. O francês é reincidente: depois da partida com o Leverkusen em setembro, Ribéry partiu para cima de um fotógrafo e só foi contido porque a turma do "deixa disso" entrou em ação.
Em ambos os casos, Niko Kovac não tomou nenhuma medida disciplinar para enquadrar o seu jogador. Deixou tudo por isso mesmo e, quando abordado sobre o assunto, debitou a reação de Ribéry ao seu instável estado emocional.
Com sua omissão, o técnico croata deu mostras de fraqueza. Sabe que o atacante francês é um protegido do presidente do Bayern e que ele como treinador, com o time em má fase, não tem força moral para punir quem quer que seja por atos indisciplinares.
E para piorar tudo mais um pouco, Uli Hoeness, em entrevista a um grupo de repórteres depois do empate com o Fortuna Düsseldorf (3 a 3), não deixou por menos: "Temos que repensar tudo".
Nas cervejarias de Munique já se ouvem algumas cornetas. Uma das mais fortes anuncia que representantes bávaros estarão de olho no jogo PSG x Liverpool nesta quarta-feira pela Liga dos Campeões. Será o duelo entre dois técnicos alemães: Jürgen Klopp e Thomas Tuchel. É possível que uma das duas equipes fique pelo caminho já na fase de grupos. Neste caso, o Bayern estaria disposto a fazer uma oferta irrecusável ao técnico que tiver sido eliminado da Champions, já que, especula a diretoria, ele estaria suficientemente desmotivado por dirigir um time que vai ver na TV a disputa pelo título mais cobiçado dos clubes europeus.
Particularmente acho difícil isso acontecer, mesmo porque há outros candidatos em pauta sendo especulados pela mídia alemã como Zinédine Zidane, Ralph Hasenhüttl e até Felix Magath.
Uma coisa, porém, é certa. Se o Bayern continuar capengando em campo como tem feito até agora, o capítulo Niko Kovac no Bayern estará encerrado no fim do ano. Pelo menos foi isso que Uli Hoeness deu a atender na sua última entrevista.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no Twitter, Facebook e no site Bundesliga.com.br
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