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HistóriaAlemanha

1906: O "capitão de Köpenick" ridiculariza a Prússia

Kerstin Schmidt Publicado 16 de outubro de 2015Última atualização 16 de outubro de 2017

Em 16 de outubro de 1906, um sapateiro adquiriu de um trapeiro um uniforme de capitão, invadiu uma prefeitura, prendeu o prefeito e levou todo o dinheiro dos cofres públicos.

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Deutschland Denkmal Hauptmann von Köpenick in Berlin
Foto: imago/Schöning

Os leitores dos jornais de Berlim não puderam acreditar no que liam: um sapateiro adquirira de um trapeiro um uniforme de capitão, invadira a prefeitura de uma cidade, prendendo o prefeito e levando todo o dinheiro dos cofres públicos.

O historiador Claus-Dieter Sprink reconstitui assim o episódio: por volta das 14h30min de 16 de outubro de 1906, um trem suburbano pára na estação de Köpenick, e dele desembarca Wilhelm Voigt, trajando uniforme de capitão do Exército, acompanhado por dez soldados. Eles marcham ao longo da rua da estação em direção ao centro da cidade, ocupam o prédio da prefeitura e prendem o prefeito.

A seguir, o falso capitão limpa o cofre municipal, levando 4.000,37 marcos. Antes de partir, dá uma boa gratificação aos guardas que o acompanharam. Um gesto nobre de um pequeno homem, que até então era apenas um elemento criminoso. Dos seus então 54 anos de vida, Voigt havia passado um total de 27 na cadeia. Mais do que de sapateiro, sua real profissão era bandido e ladrão.

Na véspera do assalto, ele fizera reconhecimento do terreno, informando-se sobre os caminhos que levavam à prefeitura e todas as portas de acesso e saída. Sem ter servido um só dia no Exército prussiano, conhecia todos os regulamentos militares, comandando soldados de verdade como se fosse um experiente capitão.

Estado prussiano cai no ridículo

A história, claro, foi parar nos jornais da época e fez todo mundo rir do vexame da Prússia totalitária. Um sapateiro havia ridicularizado a confiança inabalável no uniforme e também a obediência cega, embora sua intenção fosse outra. O verdadeiro motivo da ocupação da prefeitura foi uma tentativa desesperada de obter um documento de identidade, um passaporte.

Claus-Dieter Sprink lembra que, depois de sua última saída da prisão, em 1906, Voigt tentara, como escreveu em sua biografia, viver de acordo com a lei os poucos anos que lhe restavam. Aos 54 anos, ele experimentou sobreviver como sapateiro, profissão que havia aprendido na prisão. Mas isto lhe foi negado e, como acontece ainda hoje com ex-prisioneiros, foi classificado por burocratas insensíveis como ilegal, desempregado e sem teto.

Herói na prisão

O que Voigt não sabia, é que a prefeitura de Köpenick não expedia documento de identidade. Quando se deu conta disso, sentiu-se forçado a esvaziar o cofre da prefeitura para garantir sua existência. Porém passou a gastar demais para as suas condições, chamando assim atenção da polícia.

Dez dias depois estava novamente atrás das grades. Mas desta vez Voigt era um herói. Ele tinha a simpatia do povo e até o imperador Guilherme 2º da Prússia se divertia com a história do "capitão de Köpenick".

Voigt teve então o melhor advogado que existia naquela época na Alemanha. A defesa apresentou o réu como ele era: uma vítima das circunstâncias sociais e da burocracia desumana. Foi condenado a uma pena branda de dois anos de prisão e, depois de cumpri-la, começou uma nova vida como estrela da mídia.

Rico e empobrecido pela inflação

O ex-sapateiro passou a viajar por todos os países da Europa e foi até aos Estados Unidos. Por toda parte era festejado como o pequeno homem que ridicularizara os grandes. Wilhelm tornou-se rico e cada vez mais rico. Até que a inflação o fez perder tudo, e ele morreu pobre, em 1922, em Luxemburgo.

Mas sua história continua viva através do teatro. O dramaturgo Carl Zuckmayer estreou em 1930, com grande sucesso, a peça O capitão de Köpenick. O historiador Sprink comenta que, "observando, em 1930, o cinzento pântano que se aproximava no horizonte – novamente em direção ao Estado militar e totalitário –, Zuckmayer resolveu encenar o que chamou de conto de fadas, advertindo para o que estava por vir". Os nazistas reagiram como se temia e proibiram a peça, tão logo assumiram o poder, em 1933.

Suspensa a censura, com o fim do nazismo e da Segunda Guerra Mundial, O capitão de Köpenick foi encenada em numerosos palcos e filmada duas vezes, tendo em 1956 Heinz Rühmann e em 1997 Harald Juhnke no papel-título. O Estado militar autoritário desapareceu do "Primeiro Mundo", porém a burocracia continua governando. E com isso o tema da peça se mantém atual.