Protestos: Quais as lições dos jovens do Quénia?
28 de junho de 2024Jovens ativistas de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau estão a acompanhar atentamente o movimento da juventude no Quénia, iniciado após o anúncio de uma polémica lei para a subida de impostos no país.
"Para mim é um exemplo de celebração da cidadania. A ala política em África está acostumada a viver uma vida de luxo – um luxo inserido na miséria", afirma o ativista e jornalista moçambicano Clemente Carlos.
Na visão do angolano Dito Dali, o que se viu nos últimos dias no Quénia "foi surpreendente". "Foi uma 'floresta humana' que decidiu se levantar contra as medidas económicas prejudiciais à população", destaca Dali.
Já a ativista guineense Mansata Mónica Barbosa Sila lamenta a violência das forças do Estado nos protestos, que resultaram na morte de dezenas de manifestantes, segundo grupos de direitos humanos.
"É triste ver a massa juvenil reivindicando pacificamente, mas foram respondidos brutalmente pela carga policial", diz Sila.
"Geração Z" comanda manifestações antigovernamentais
Os protestos no Quénia começaram há cerca de 10 dias devido a uma proposta de lei polémica que previa aumentar dezenas de impostos no país.
O que começou de forma pacífica escalou para confrontos com a polícia, até à invasão do Parlamento na última terça-feira (25.06).
O Presidente William Ruto, então, recuou. Disse que não assinaria a medida aprovada pelo Parlamento e que, em vez disso, cortaria nos gastos do Governo.
A insatisfação dos jovens, porém, tende a continuar nas ruas e a Justiça já autorizou o envio do Exército para atuar em conjunto com a polícia em áreas onde há protestos.
"Um tapa no rosto dos jovens moçambicanos"
Diante dos grandes protagonistas do movimento iniciado no Quénia - os jovens da chamada "Geração Z", nascidos no final do século XX – que mensagem fica para os países africanos lusófonos?
O ativista e jornalista moçambicano Clemente Carlos diz que o sinal é claro, trata-se de "um tapa no rosto dos jovens moçambicanos".
"Considero a minha juventude muito acomodada. Não são cinco pessoas que vão fazer a revolução ou a mudança, é a população em geral. Quando os nossos direitos são feridos, não devemos esperar que os outros lutem por nós, devemos tomar a dianteira", afirma.
No caso de Moçambique, o ativista lembra as recentes manifestações contra o aumento das tarifas de Internet, que, na sua opinião, "de alguma forma despertaram" a juventude moçambicana, "mas não ao nível desejado".
Segundo Clemente Carlos, "o Governo mentiu para a população quando disse que mandava revogar essa resolução", porque "não foi uma suspensão, foi apenas um reajuste a bel-prazer".
Se esses jovens "tivessem tido pelo menos metade da adesão dos jovens quenianos ao nível de participação na manifestação, a resposta do Governo teria sido outra", pontua o ativista moçambicano.
Movimento no Quénia "inspira muito"
Em Angola, o ativista Dito Dali faz parte de uma geração de jovens angolanos que contestou o Governo do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Eram os chamados 15+2.
Os ativistas dizem que pouca coisa mudou em Angola durante a Presidência de João Lourenço, também do MPLA. O que aconteceu? Este novo levante no Quénia levará novos ares para os movimentos em Luanda?
Dito Dali responde que "o movimento 15+2 serviu muito bem, só que, infelizmente", não foi levado adiante, "porque houve lutas de egos; todo o mundo queria liderar, sem entender que as revoluções devem ser abraçadas de forma coletiva".
"A formatação deste movimento no Quénia nos inspira muito", afirma Dito Dali.
Angola "despiu-se do medo"
Apesar de não ter atingido o objetivo que pretendia com o grupo do 15+2, Dito acredita que a população de Angola "despiu-se do medo" de sair às ruas. E lembra que, desde 2020, o país tem assistido a várias manifestações em massa contra as condições de vida no país.
No entanto, os angolanos ainda precisam de uma "liderança social" e não de "lideranças partidárias". Dito entende que movimentos liderados por jovens e sem o envolvimento de grupos políticos, como se verifica no Quénia, fazem parte de um novo contexto no continente. África "está a renascer", realça.
Juventude guineense na defesa da democracia
Entretanto, na Guiné-Bissau, a juventude parece cada vez empenhada na defesa da democracia, contra o Governo instalado pelo Presidente Umaro Sissoco Embaló.
A ativista guineense Mansata Mónica Barbosa Sila lembra a manifestação antigovernamental do dia 18 de maio, em que a polícia respondeu com violência e dezenas de pessoas foram detidas, incluindo ativistas, jornalistas e advogados. Ainda assim, a mesma Frente Popular já convocou para 27 de julho uma nova manifestação.
Na opinião da ativista, "a própria sociedade guineense já está a responder de uma forma democraticamente legal às suas ações, não ficando no seu espaço de conforto, como era o hábito – de que o guineense é um povo que não sai às ruas, mesmo com o Governo a tomar decisões que refletem negativamente na sua vida".
"Esta manifestação no Quénia vai ser mais uma valia para o povo guineense", conclui Sila.