África do Sul: Covid-19 expôs diferenças sociais
14 de junho de 2020A economia da África do Sul está a ser duramente afetada pela pandemia da Covid-19. O país, que regista mais de 65 mil casos positivos do novo coronavírus, perdeu já mais de 1400 pessoas para a doença.
"A situação está a evoluir e é muito problemática porque o pior ainda está para vir", afirma Adrian Kriesch, o correspondente da DW na cidade do Cabo, a região mais atingida do país.
"Estamos a assistir a um crescimento exponencial dos casos na província do Cabo Ocidental, neste momento. Provavelmente no final deste mês, vamos atingir o pico", acrescentou.
Atirar culpas
Para fazer frente à pandemia, o Presidente Cyril Ramaphosa, ordenou, a 27 de março, o confinamento de toda a população, uma decisão que embora tenha limitado a propagação da doença, também abrandou a economia do país, já em recessão.
O caminho escolhido pelo executivo sul-africano para travar o avanço da doença no país não é consensual. Há quem aponte o dedo a Cyril Ramaphosa, mas há também quem entenda que a economia do país já se encontrava numa posição delicada quando surgiu a pandemia do coronavírus. É o caso de Jannie Rossouw, professora na Faculdade de Economia e Negócios da Universidade de Wits, que afirma que "naturalmente, a culpa é da administração de Zuma, e Ramaphosa deve partilhar essa culpa".
O crescimento económico do país nos últimos cinco anos foi, em média, de 1,5%, estando a taxa de desemprego fixada em 29%. Foram várias as agências internacionais, como a Moody ou a S&P, que baixaram o "rating" do país.
Em entrevista à DW, Iraj Abedian, CEO da consultora "Pan-African Investment and Research" afirma que a crise do coronavírus veio mudar o jogo na África do Sul.
"Se me pedisse para reformular a declaração de Ramaphosa, eu diria que a Covid-19 deu um golpe esmagador numa economia em dificuldades, após uma década de roubos e pilhagens politicamente orquestradas, que mal conseguiria aguentar um vento suave, quanto mais um furacão", diz.
Pacote de recuperação
Para minimizar o impacto económico da Covid-19, o governo sul africano anunciou também um pacote de recuperação de 26 mil milhões de euros. Uma ação que Iraj Abedian condena.
"Trata-se de um esquema em que o governo pede [dinheiro] emprestado para evitar uma tragédia humanitária, no entanto, ainda terá de descobrir como vai conseguir evitar um colapso económico", diz o CEO da consultora, que acrescenta que "esta reação irrefletida [do governo] é em grande parte motivada pelo medo, não havendo uma estratégia pensada".
Discrepâncias sociais
Já o sul-africano Collen Lediga, da Universidade de Bochum, na Alemanha afirma que: "Embora apoie as medidas implementadas, penso que a Covid-19 expôs as questões sociais e económicas das comunidades vulneráveis negligenciadas".
Na África do Sul, mais de metade dos agregados familiares - 54% - não tem acesso a água potável e pelo menos 14% vivem em aglomerados populacionais. Realidades que o confinamento obrigatório, decretado pelo governo, veio afincar.
No país, que está, por fases, a reduzir as restrições impostas em março, volta a estar em cima da mesa o velho debate sobre as desigualdades sociais, entre negros e brancos e ricos e pobres. O confinamento dos últimos meses, por exemplo, deixou claro que só as crianças das famílias avultadas conseguiram avançar na sua educação, pois continuaram a ter acesso às aulas em casa – o que não aconteceu com as restantes crianças oriundas de comunidades pobres que não têm acesso à internet e, portanto, não conseguiram participar nas aulas online.
"Espera-se que a Covid -19 intensifice a já desiquilibrada participação dos licenciados pobres e ricos na economia nacional", nota Lediga.
E os problemas não ficam por aqui. O correspondente da DW em Joanesburgo, Thuso Khumalo, chama ainda a atenção para o facto da suspensão das aulas ter também significado, para muitas crianças, o deixar de ter assegurada pelo menos uma refeição.
"O encerramento das escolas fez com que milhares de crianças, que dependem da comida que lhes é dada na escola para sobreviver, passassem fome", diz.
A maioria dos trabalhadores regressou aos seus empregos no início deste mês, e esta segunda-feira (15.06) é a vez das crianças regressarem às aulas. No entanto, o reabrir das escolas tem estado a ser muito criticada por sindicatos de professores e observadores que alertam para o facto da maioria das instituições, principalmente públicas, não ter condições de saúde e higiene suficientes para assegurar a segurança de alunos e profissionais.
Como pode a África do Sul recuperar desta crise?
Jannie Rossouw entende que para que a nação se volte a erguer, há que eliminar regulamentações desnecessárias pois, explica, "só estão a tornar menos atraentes os negócios". Ao mesmo tempo, a professora da Universidade de Wits insiste que é necessário conter a despesa pública.
"A este respeito, o aspeto mais difícil será o da remuneração da função pública, que representa cerca de 45% das receitas públicas", nota.
Já Abedian diz que é tempo de agir. "A África do Sul precisa de aprender com os erros que cometeu e repetiu nos últimos 25 anos". "A criação de um Estado capaz é um requisito para o crescimento e desenvolvimento sustentável. Muito se tem falado sobre este objetivo, mas nos últimos 20 anos não se verificou uma verdadeira mudança. Em vez disso, a liderança política tem promovido a mediocridade dentro da máquina do Estado", diz.