África do Sul: Mineiros retidos pela polícia lutam pela vida
20 de novembro de 2024Há quase duas semanas que a polícia sul-africana monitoriza atentamente uma mina de ouro abandonada em Stilfontein, a cerca de 150 quilómetros a sudoeste de Joanesburgo. A mina terá mais de 2 quilómetros de profundidade e a única forma de descer ou subir é através de uma corda.
Acredita-se que centenas de mineiros ilegais, conhecidos por "zama zamas" - que no idioma Isizulo significa "aqueles que arriscam" - enfrentam condições muito difíceis no interior, depois de a polícia ter bloqueado o abastecimento de comida e água à mina, numa tentativa de os forçar a sair.
Os agentes de segurança também impediram os habitantes da região de fornecer ajuda aos mineiros.
"Não há mais nada para comer"
A polícia deteve mais de mil mineiros - muitos deles sem documentos - que subiram recentemente à superfície. "Não sobra nada para comer, beber ou qualquer coisa que possa manter um ser humano vivo", conta Ayanda Ndabeni, um dos mineiros que deixou a mina abandonada na sexta-feira (15.11), à agência de notícias France Presse. Inicialmente, foi detido pela polícia, mas acabou por ser libertado, uma vez que é um cidadão sul-africano sem antecedentes criminais.
Segundo Ndabeni, a operação policial denominada "Vala Umgodi", ou "Tapar o Buraco", causou um sofrimento imenso aos mineiros que continuam no subsolo. "Alguns morreram", afirma. "Alguns estão doentes, em estado crítico".
Na semana passada, um corpo em decomposição foi retirado da mina, aumentando os receios de que poderá não ser o único.
Um impasse perigoso
O Governo sul-africano gerou polémica na semana passada, quando a ministra da Presidência, Khumbudzo Ntshaveni, disse aos jornalistas que o Executivo não iria enviar ajuda aos mineiros ilegais, por estarem envolvidos em atos criminosos.
"Honestamente, não vamos enviar ajuda a criminosos, vamos expulsá-los", avisou.
Em resposta, em solidariedade com os mineiros, alguns membros da comunidade exibiram cartazes com a frase "Expulsem o ANC", referindo-se ao Congresso Nacional Africano, partido do Presidente Cyril Ramaphosa.
A mineração ilegal é um problema na África do Sul há décadas. O setor informal é operado por pequenas redes de crime organizado e o Governo criou um grupo de trabalho para o combater.
Operação de resgate
Já na segunda-feira (18.11), o chefe de Estado afirmou, no seu comunicado semanal, que não se deve colocar vidas em risco no impasse entre a polícia e as centenas de mineiros ilegais e que os mineiros devem ser resgatados em segurança.
O chefe de Estado demonstrou o seu apoio à operação policial e ao corte do abastecimento de alimentos de água, reforçando que os mineiros têm de sair da mina de ouro abandonada.
Reconhecendo "o grande debate público sobre os direitos dos mineiros ilegais”, Ramaphosa disse que as autoridades "tudo farão para reduzir o risco de danos aos mineiros”.
A operação oficial de salvamento poderá ter início nos próximos dias. Na terça-feira (19.11), operadores de resgate visitaram a mina para avaliar as ferramentas necessárias para efetuar a retirada dos mineiros retidos.
Até então, membros da comunidade e mineiros estavam a coordenar os trabalhos de salvamento para tentar trazer os mineiros presos à superfície, um de cada vez, utilizando ferramentas básicas como cordas e uma roldana.
Famílias ansiosas
Perante o impasse, familiares dos mineiros retidos preparam-se para o pior. "Se o Governo diz que não os pode ajudar, não sabemos o que fazer", disse Zuziwe Ndabeni à DW. "Estou aqui na mina desde as 05h00 da manhã. Não temos respostas das autoridades. Estamos à espera. Não sei até quando".
"Estou aqui porque quero ver os meus filhos", afirmou Linah Minezeya, uma mãe zimbabueana com dois filhos presos no interior da mina abandonada. "Não recebo nenhuma chamada deles desde fevereiro. Estou preocupada porque não têm comida. Quero saber se estão vivos ou mortos. Há quem diga que não está ninguém lá dentro, por isso não sei se os meus filhos estão vivos ou mortos".
Apelos ao Governo
Johannes Qankase, um líder comunitário em Stilfontein, lançou um apelo ao Governo para reconsiderar a sua posição. "Estamos a dizer ao nosso Governo 'vamos dar alimentos a estas pessoas. Vamos dar-lhes água, para que recuperem as suas forças para darmos início ao processo de os retirar'", disse Qankase à DW.
No entanto, o porta-voz da Polícia Nacional da África do Sul, Athlenda Mathe rejeitou os pedidos para ajudar os mineiros. "Não há nenhum impasse aqui. Estamos a fazer cumprir a lei", disse o responsável à DW, citando a secção 205 da Constituição do país, que incumbe a polícia de prevenir e combater a criminalidade. "É exatamente isso que estamos a fazer. Estamos a pedir às comunidades e aos sul-africanos que apoiem o trabalho que estamos a fazer".