"Vozes de Wiriyamu" lembra vítimas de massacre em Moçambique
17 de dezembro de 2018Portugal tem a liberdade de celebrar a sua história com orgulho e sentido pedagógico, mas não pode esquecer os períodos complexos e críticos, como a guerra colonial, que marcaram a sua presença nos antigos territórios em África. A ideia é defendida Mustafah Dhada, académico de origem moçambicana que investigou os acontecimentos em torno do massacre de Wiriyamu, ocorrido a 16 de dezembro de 1972.
Em entrevista à DW África, o professor de História Mundial e Estudos Africanos radicado nos Estados Unidos questiona a "amnésia" que ainda hoje se sente na sociedade portuguesa em relação ao passado de Portugal como império colonial, que durou cerca de 500 anos. "Como é que há uma amnésia tão profunda, que os portugueses não sentem atualmente este peso que é parte da história de Portugal que era moura? Não entendo isso", critica.
O capítulo sobre os crimes cometidos por Portugal não está totalmente encerrado com o monumento erguido em Moçambique em homenagem às vítimas do Massacre de Wiriyamu.
Para Mustafah Dhada, não basta a Portugal reconhecer publicamente este período negro da sua história: "Portugal não reconheceu uma estrutura e uma violência sistémica que exerceu nas colónias. Mesmo que esta revelação da verdade faça tremer as pessoas que agora têm saudades de ter vivido ou combatido qualquer coisa nas ex-colónias, eu penso que eles [os portugueses] devem fazer mais do que isso."
Mais que admitir a culpa oficialmente, o Governo português devia mandar construir um monumento em Portugal em memória permanente desse período histórico, evocando e assumindo com um cunho pedagógico para a cidadania coletiva os atos praticados nas antigas colónias em África, propõe o historiadot moçambicano radicado nos Estados Unidos.
Testemunhas orais em destaque
Mustafah Dhada tem preparado um novo livro, provisoriamente intitulado "Wiriyamu Voices" (Vozes de Wiriyamu), com possível tradução posterior para português, no qual dá voz própria às fontes orais que relatam sobre as vítimas do massacre. "São entrevistas curadas. As perguntas que eu fiz não interrompem o processo do texto, de maneira que é muito mais fácil de ler um texto sem interrupções do investigador", explica o historiador.
São personalidades chave que, segundo o autor, desempenharam um papel importante na construção da sua primeira obra "O Massacre Português de Wiriyamu - Moçambique 1972."
No segundo livro é realçado o papel da Igreja Católica naquele tempo na transformação sócio-política, no então distrito de Tete, centro de Moçambique, e que terá contribuído para impulsionar uma mudança de postura da então polícia portuguesa.
O estudo que fez é provavelmente um trabalho definitivo sobre o massacre de Wiriyamu, apesar de haver algumas lacunas no livro que publicou anteriormente, nomeadamente nas páginas dedicadas ao massacre do Riacho. Algumas pessoas que encabeçaram a chacina, entre as quais agentes da Direção Geral de Segurança (DGS, antiga PIDE), já faleceram. "Há um informador que eu não consegui entrevistar, ainda vivo, e que está num local que eu não posso divulgar simplesmente porque se houver uma possibilidade dentro de um ano qualquer, vou procurá-lo para fazer uma entrevista", diz.
O historiador entrevistou mais de 200 familiares das vítimas e concluiu que, depois desta nova publicação, já não haverá muito mais para contar, tomando como base a reconstituição da vida social e administrativa das cinco aldeias do triângulo de Wiriyamu.