"Vistos gold" sob investigação
18 de novembro de 2014Onze detidos estão a ser interrogados no Tribunal Central de Instrução Criminal, no Campus da Justiça de Lisboa, no âmbito de uma mega-operação conduzida pela Polícia Judiciária (PJ), que levou a 60 buscas em todo o país. A audição envolve altos quadros dos ministérios da Justiça, da Administração Interna, elementos do Serviço de Informação e Segurança e várias empresas imobiliárias.
Os inspetores da PJ, que investigam o caso há cerca de um ano, estão na posse de provas que podem ser relevantes quanto a suspeitas relativas a crimes de corrupção, tráfico de influências, peculato e branqueamento de capitais.
Segundo João Paulo Batalha, diretor executivo da Transparência e Integridade - Associação Cívica (TIAC), o processo, sob segredo de justiça, é um indício de que estamos perante um ato de grande corrupção. Mas não só, "também nos revela que há espaços de opacidade no próprio programa de concessão dos 'vistos gold'. E isto é um problema político. Não há controlo sobre quem verdadeiramente recebe estes vistos, qual a origem do dinheiro investido em Portugal."
É preciso, por exemplo, saber se os beneficiários das autorizações especiais de residência estarão a ser procurados por crimes cometidos nos seus próprios países, diz João Paulo Batalha: "Já houve um caso de um cidadão chinês que tinha um 'visto gold' português e era procurado por fraude na China."
Altos quadros sob suspeita
Três cidadãos chineses, interrogados no âmbito deste processo, estão ligados a empresas que agilizariam os vistos. Entre os detidos na passada quinta-feira (13.11.2014), estão à cabeça António Figueiredo, então presidente do Instituto dos Registos e Notariado, e Maria Antónia Enes, que era secretária-geral do Ministério da Justiça, bem como Manuel Jarmela Palos, diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Palos, no cargo desde 2005, é suspeito de dois crimes de corrupção passiva, por cobrar comissões de 10 por cento para acelerar a atribuição dos vistos dourados, ao abrigo do programa governamental excecional de Autorização de Residência para atividade de Investimento (ARI), o nome oficial dos "vistos gold". As autorizações são concedidas a quem, por exemplo, deposite um milhão de euros num banco português ou quem compre uma casa por mais de 500 mil euros.
Os beneficiários dos vistos têm sido, entre outros, cidadãos chineses e angolanos, tal como moçambicanos.
"Quando aparecem moçambicanos e angolanos a beneficiar deste mecanismo é preciso questionar a proveniência desse dinheiro", diz o advogado Adriano Malalane.
"Será que essas pessoas declaram esses rendimentos nos países de origem? Pagaram impostos em Moçambique e Angola por estas quantias? Como é que estas quantias saem desses países? Têm autorização do Banco Central para poderem transferir estes dinheiros? Não poderá eventualmente haver branqueamento de capitais neste processo?"
De acordo com a PJ, António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado português, também tinha ligações com o empresário angolano, Eliseu Bumba, com filial em Portugal, com quem tinha planos de desenvolvimento de projetos privados em benefício próprio. As suspeitas estão relacionadas com o protocolo assinado entre o Ministério da Justiça português e Angola destinado a formar quadros no ramo do notariado.
Ministro demitiu-se
O caso dos "vistos gold" já levou à demissão do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que tem ligações a vários dos suspeitos, entre os quais o seu amigo António Figueiredo, cuja filha, a arguida Ana Luísa, geria a Golden Vista Europe, uma empresa imobiliária, constituída em outubro de 2013, também sob investigação.
Na comunicação que fez este domingo (16.11.2014), o ministro demissionário afirmou que politicamente perdeu autoridade, apesar de não ter "qualquer intervenção administrativa no processo de atribuição de vistos."
A demissionária secretária-geral do Ministério do Ambiente, Albertina Gonçalves, é sócia do agora ex-ministro num escritório de advogados, por onde também terão passado as buscas da PJ.
Entretanto, a oposição parlamentar insta o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas a responder perante os deputados sobre a introdução dos vistos. Portas é tido como "o pai dos 'vistos gold'", pois era chefe da diplomacia quando as autorizações especiais de residência foram lançadas. A oposição considera-a uma medida apressada que só alimentou negócios escuros.