Violação: um crime sem castigo na Libéria
28 de abril de 2012Na Libéria, uma pequena nação da África Ocidental, com quase tantos habitantes como na capital alemã, Berlim, ou seja pouco menos de três milhões e meio, mais de mil e quinhentas mulheres são anualmente violadas. Aos tribunais chegam apenas seis por cento dos casos. A tradição dita que os casos de violação sejam "resolvidos em casa" e que os violadores gozem de impunidade.
No interior de uma pequena casa de tijolos numa plantação de borracha na Libéria Theophilus Togbah e a sua mulher olham para a fotografia da filha Caroline, de 13 anos. “Esta fotografia foi tirada na escola”, conta. Na imagem vê uma menina alta e magra vestida com um uniforme escolar verde e amarelo.“ E ela era uma boa aluna”, acrescenta . Pouco tempo depois de a fotografia ter sido tirada Caroline adoeceu .“Ela começou a ficar doente, a vomitar, e eu perguntei Caroline o que se passa contigo?”. Por fim, Caroline contou aos pais que um vizinho a tinha amarrado à cama e a tinha violado.
O pai Togbah sai para o exterior e aponta para a casa onde tudo aconteceu.“Foi aqui que ele a violou. Aqui na porta ao lado. Fiquei muito zangado porque ele era o meu melhor amigo e nós trabalhávamos juntos”, diz.
O amigo de Theophilus admitiu que tinha violado Caroline, deu ao pai algum dinheiro e duas nozes de cola, pequenas nozes castanhas que contém cafeína e que são um gesto de perdão na tradição liberiana.“ Ele trouxe-as para me pedir desculpa. Para nós elas são um sinal de paz e compromisso”. O vizinho implorou a Togbah para não o levar a tribunal.
Violêncial sexual no seio da família
Estamos numa clínica onde são tratadas vítimas de violação. A enfermeira-chefe, Elizabeth Kerkula, diz que Caroline é um caso típico na Libéria onde mais de metade das vítimas de violação têm menos de 14 anos.“Às vezes podem ter cinco, quatro ou mesmo três anos de idade”, acrescenta. O violador é normalmente um membro da família, um amigo ou um vizinho. E os casos de violação raramente chegam a tribunal. Em 2010 chegaram à clínica mais de mil vítimas, mas a enfermeira-chefe só foi chamada a depôr em tribunal seis vezes.“ O problema é a pressão familiar e da vizinhança, pressão que faz com que se façam compromissos. É preciso punir os violadores", sublinha.
A legislação não tem surtido efeito
Durante a guerra civil na Libéria a violação foi usada como arma de guerra. Porém, decorridos nove anos sobre o final do conflito porque é que a violação continua a ser tão comum?
Em 2005 os liberianos escolheram uma mulher como presidente, Ellen Johnson Sirleaf. No seu mandato as penas de prisão aplicáveis ao crime de violação tornaram-se mais pesadas e foi criado um tribunal especial para os crimes sexuais. Mas mesmo este endurecimento jurídico não produziu efeitos. Kerkula mostra um novo livro infantil publicado pelo Ministério da Justiça. O livro chama-se "Musu vai a tribunal". Trata-se da história de uma menina, Musu, que leva a tribunal o homem que a violou. A obra destina-se ao encorajar as jovens vítimas de violação a processar os criminosos.
Pobreza é explicação parcial
Segundo Felícia Coleman, a procuradora geral para os crimes sexuais na Libéria, na origem do problema está a pobreza e a cultura. “ Muitas dessas famílias têm rendimentos muito baixos. Por isso, se o violador oferecer cem dólares ou 200 dólares isso é uma fonte de rendimento para eles”. Na Libéria o conceito de família alargada é muito importante e levar alguém da própria comunidade a tribunal é visto como uma traição dentro da família. Além disso, enviar para a cadeia um homem implica que a haja uma família que fica sem alguém para a alimentar. Muitos dos violadores são o pai ou o padrasto da criança e portanto mesmo que ele tenha violado a própria filha é ele o ganha pão da família. E a questão é o que acontece se ele for para a cadeia?
Justiça funciona mal
Num centro para mulheres no interior da Libéria, mulheres de todas as idades formam um círculo e cantam. Algumas foram violadas. Uma delas grita: "Não há justiça na Libéria, em toda a Libéria não há justiça”. Mesmo que quisessem ter recorrido à justiça o sistema judicial é confuso, corrupto e sobretudo muito caro. "Como pode uma criança eu pagar a um advogado?", pergunta uma jovem.
Há um mês a filha de Theophilus Togbah morreu. O relatório médico diz que ela foi vítima de uma assepsia e do choque depois da violação. A mãe de Caroline quer processar o seu vizinho. “Quero ir a tribunal porque estou muito magoada. Eu perdi a minha filha”, diz. Mas as hipóteses para a mãe de Caroline não são promissoras. Há oito meses que o caso foi reportado à polícia. A polícia não o enviou para o Tribunal e não sabe onde para o dossier. O violador ainda está na prisão , mas será libertado em breve se não for acusado pelo. Aliás como acontece com a maioria dos violadores na Libéria.
Autoras: Bonnie Allen/ Helena Ferro de Gouveia
Edição: António Rocha/Madalena Sampaio