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Valete, rapper sem truques nem ilusões

CARLOS, Joao4 de janeiro de 2013

O rapper português Valete entrou na senda dos grandes palcos e deverá lançar em abril o seu terceiro álbum, "Homo Libero". A crise em Portugal e a emigração dos jovens são duas das suas preocupações.

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É filho de pais são-tomenses. Keydje Sedi Lima, 32 anos de idade, começou a participar ativamente no movimento do hip-hop em Portugal no fim dos anos 90. O jovem, nascido em novembro de 1981, em Lisboa, é um homem de luta e diz-se defensor de utopias.

Lançou o seu primeiro álbum "Educação Visual", em 2002, tendo vendido cinco mil cópias. Em 2006, produziu, sempre em edição independente, o disco "Serviço Público" e vendeu 12 mil cópias entre Portugal e Angola.

O rapper é visto como uma referência da nova música de intervenção. É assim que se lança no mercado com o nome de Valete. Quando escolheu o pseudónimo, o músico inspirou-se num documentário sobre ilusionismo que tinha visto.

"No mundo do ilusionismo, quando fazes um truque de cartas, se escolheres um valete o truque não dá certo. Claro que isso é uma superstição. Mas eu gostei desse simbolismo", diz. "Era quase como se o valete não te deixasse cair em truques nem ilusões."

Crescer no hip-hop

A ligação ao hip-hop foi natural, conta. "Eu era um miúdo com 11 anos que começou a ter contacto com o que os negros na América estavam a fazer ao nível do hip-hop e do rap."

Valete reviu-se nas histórias sobre marginalização ou segregação: "Não eram muito diferentes daquilo que eu, como filho de emigrantes, estava a viver aqui em Portugal."

Valete entrou na onda do hip-hop a partir de 1997. Surgiram nomes como Gabriel "O Pensador", no Brasil, e uma geração de rappers em Portugal que já em 1994 editou o álbum de compilação "Rapública".

Muito cedo, este jovem da Damaia, na periferia de Lisboa, criou as suas opiniões políticas, influenciado por um professor de Filosofia quando andava no liceu. As canções que vem produzindo são de denúncia social ou, como prefere dizer, em nome da verdade.

"A cultura hip-hop é uma contracultura", diz. "Eu não gosto de ser o rapper de intervenção ou o rapper político. Eu canto estados emocionais, que são condicionados por muita coisa - pela situação política ou económica, ou pelas condições sociais."

Banda sonora da juventude

Baseado neste conceito, "Homo Libero", o novo álbum de Valete, está na forja. Prevê-se que o trabalho possa já ser lançado no mercado em abril deste ano. O álbum, explica Valete, fala sobre a ideia de "homem livre" e do lugar e do sentido desse homem no mundo.

"É um homem que, em primeiro lugar, tem a perceção de que vivemos num planeta e o planeta é uma coisa só - nós, as plantas e os animais. Por isso, tens de cuidar dos seres humanos, das plantas e dos animais da mesma forma", refere. "O álbum também fala sobre a noção de que só faz sentido vivermos para encontrar felicidade. E felicidade coletiva, porque somos uma coisa só."

O novo trabalho do rapper conta com a participação de Gabriel "O Pensador", Orlando Santos, Sara Tavares, Sam The Kid, entre outros.

A crise económica em Portugal tem forçado muitos jovens portugueses a deixarem o país. Atento à realidade, Valete retrata este fenómeno no tema "Meu País".

"Eu fiz a música porque um dos meus grandes amigos emigrou para Luanda em agosto. Mas o tema acabou por funcionar como a banda sonora da nossa juventude atual". Só em 2012, terão emigrado quase 100 mil jovens - um número "catastrófico" e que vai aumentar, diz Valete.

À procura das raízes

Português de nascença, o rapper diz que tem muitas afinidades com a terra dos seus pais, São Tomé e Príncipe. Valete já lá esteve duas vezes, mas gostava de voltar.

"Estive também em Moçambique e em Angola há pouco tempo. Estou mesmo a precisar de conhecer África e sentir África. Essa necessidade de ir para São Tomé tem a ver com procurar raízes, perceber de onde é que vem a minha cultura, a minha história, etc."

Até porque essas viagens à procura das raízes culturais podem servir como fonte de inspiração para novos temas. Valete diz que quer incluir cada vez mais os ritmos da música tradicional africana nas suas músicas.

O rapper tem também nos seus planos a expansão nos mercados lusófonos.

"Eu tenho músicas que são muito mais sentidas em Angola, em Moçambique e em São Tomé do que em Portugal", diz. "Eu estou a cantar coisas que miúdos em São Paulo sentem da mesma forma que miúdos na Damaia. Eles estão a par disto tudo, estás a ver?"

Um dos objetivos do rapper lisboeta é realizar uma tournée pelos países africanos de língua portuguesa já com o novo álbum.

Autor: João Carlos (Lisboa)
Edição: Guilherme Correia da Silva / António Rocha