Todos os caminhos vão dar à Beira
Francisco Zimbão Nhamakazi está à procura de trabalho, um daqueles trabalhos ocasionais - varrer armazéns, limpar terminais, carregar sacos de milho. Para tarefas mais pesadas, a idade e o corpo já não dão. Francisco Nhamakazi tem hoje 64 anos, está reformado, mas a pensão é magra.
Os 3.500 meticais - nem 100 euros - que recebe por mês não chegam para alimentar os nove filhos que ainda tem em casa. E por isso, dia sim dia não vem ao porto da Beira ver o que há para fazer. Para ele, contudo, isso não é motivo de queixa. Pelo contrário: o porto "está cheio de trabalho, não fica bom assim? Fica bom!" Só guerra, diz ele, os moçambicaos não querem mais, "guerra não vale".
Porto da Beira, fonte de sustento para muitos
Homens de toda a região vêm trabalhar aqui tal como o grupo na berma da estrada que leva à entrada do porto. Estão a levar carris, já enferrujados, para uma carrinha.
Também estes homens ganham pouco, mas, também para eles, o mais importante é ter trabalho que dê, pelo menos, para pôr pão na mesa de casa. "No tempo da guerra, vivíamos à rasca, as consequências eram diferentes, mal nos alimentávamos", conta Vítor João Anselmo. "Agora estamos em paz, estamos a alimentar livremente." E o melhor é que agora têm patrões que os empregam.
Vítor João Anselmo ronda hoje os 40 anos, tem cinco filhos e mulher. No final de 2011 começou a trabalhar para uma empresa coreana que recolhe carruagens e carris velhos para exportar a partir do porto da Beira. São restos removidos durante a reabilitação da linha férrea de Sena que termina aqui na cidade. A linha foi recentemente reaberta ao transporte do carvão da província vizinha de Tete e à circulação de passageiros. Durante a guerra civil e, mesmo depois, a Linha de Sena fora completamente destruída.
Os negócios de ferro velho da Linha de Sena
O comércio do ferro velho surgiu a seguir ao Acordo Geral de Paz, assinado entre a FRELIMO, a Frente de Libertação de Moçambique, e a RENAMO, a Resistência Nacional Moçambicana, a 4 de outubro de 1992.
Na altura, aqueles que tinham forças para carregar um pedaço de carril levavam-no aos empresários que andavam de localidade em localidade a comprar o ferro aos habitantes locais. O negócio prosperou e acabou por contribuir em grande medida para que o que restava da linha continuasse a ser destruído. Diz quem viu que eram camiões inteiros, dia e noite, a transportar ferro até ao porto da Beira.
Os carris que Vítor João Anselmo carrega agora com os colegas são ainda restos da velha ferrovia. Como estão caducados, diz ele, não foram usados na construção da nova linha, essa levou tudo novo.
A crise da guerra civil de Moçambique
Francisco Nhamakazi continua pelo seu caminho a passos largos até chegar ao serviço. Espera umas horas, se houver trabalho, faz o que hoje lhe couber, senão volta para casa.
A guerra civil trouxe a crise à cidade da Beira e com ela muitos foram atirados para estes trabalhos ocasionais. A Beira depende economicamente da atividade que passa pelo seu porto, concebido para servir não só Moçambique, mas também os chamados países do hinterland, aqueles que na região não têm acesso direto ao mar, como o Zimbabué, o Malawi, a Zâmbia, até mesmo o Botsuana e o sul da República Democrática do Congo.
Ora, durante a guerra civil, o porto viu a sua atividade paralisada. "Toda a mercadoria ficava ad infinitum estagnada na cidade da Beira, provocando grandes prejuízos tanto para o cliente como para o país", recorda Egídio Vaz. O historiador moçambicano refere-se às mercadorias que chegavam à Beira por mar. Muitas das que acabavam por seguir, fosse pela estrada ou pela linha férrea que compõem o Corredor da Beira, não chegavam ao destino devido aos ataques da RENAMO ao longo do corredor. Esta era a via por onde todos os produtos teriam de passar para chegar aos países vizinhos.
Um quilómetro de infra estrutura, 12 soldados
A proximidade entre o mar e a fronteira permitia ao Zimbabué escoar os seus produtos a baixo custo. Além disso, já na altura fazia parte do Corredor da Beira também um oleoduto para o transporte de petróleo do porto até ao país vizinho.
E enquanto os outros procuravam vias alternativas para escoar os seus produtos em segurança, nomeadamente nos portos de Durban, na África do Sul, e de Dar es Salaam, na Tanzânia, o governo do Zimbabué enviou tropas para proteger o corredor, o oleoduto e os seus interesses comerciais. O fluxo de cargas e o combustível são essenciais para alimentar as suas indústrias. Só que nem com o apoio militar do Estado vizinho foi possível manter o corredor seguro.
O jornalista norte-americano William Finnegan viajou por Moçambique no final da década de 1980, em plena guerra. Nessa altura fez as contas: "Eram necessários, em média, 12 soldados para guardar um quilómetro de infraestrutura - num país com [então] cerca de 100.000 km de infraestrutura que precisavam de guarda", escreveu Finnegan. "Tal necessitaria de mais de um milhão de homens apenas para a defesa, sem mencionar os que teriam de lutar."
Aqui estão eles, às dezenas, de volta à Beira
Foram precisos anos de negociações depois do fim da guerra para convencer os velhos clientes do porto da Beira de que tanto este como o corredor eram agora seguros e novamente rentáveis. "A paz é uma mais valia muito grande não só para o Corredor da Beira, mas para o país todo", diz Félix Machado, diretor de marketing da operadora portuária Cornelder. "A paz traz para o país uma maior credibilidade, foi um elemento fundamental para garantir a atração de investimento."
Quando a empresa de Félix Machado assumiu a gestão do porto da Beira em 1998, carregava 36.000 contentores por ano. Em 2011, diz o responsável, despachou 160.000.
Foi um trabalho árduo, mas aqui estão eles, às dezenas, os camiões estacionados na estrada que leva ao porto. As matrículas revelam que vêm novamente dos países em redor. Esperam pelos navios que hão-de trazer a sua mercadoria ou por autorização para entrar no porto. Uns apitam, outros têm o motor ainda ligado. Os condutores que aqui estão há mais tempo, instalam-se no chão. Diz-se que o porto da Beira é o que serve novamente o maior número de camiões na região: por dia são carregadas aqui entre 150 e 250 viaturas.
Verde, azul, amarelo
Um grupo de homens está sentado sobre uma esteira. No meio há tigelas de metal e pratos de plástico. Verde, azul, amarelo. O almoço é igual ao de ontem e será igual ao jantar: feijão e xima, a massa de farinha de milho cozida em água, típica na região. Para mais, o dinheiro já não chega. É que estes homens já chegaram há uma semana do Malawi e continuam à espera dos documentos que lhes permitirão levantar a mercadoria.
"Às vezes temos de pagar mais para obtermos os documentos", queixa-se Biri Chunga, um dos camionistas. "Os moçambicanos gostam de dinheiro. Chegam a pedir-nos 50.000, 100.000 meticais, entre 1.300 e 2.600 euros." Por isso, diz Biri Chunga, "não passam fatura, é dinheiro ilegal".
Chunga vem regularmente a Moçambique. Já chegou a esperar um mês inteiro neste parque. Mas quando vem traz apenas comida para alguns dias: farinha, peixe seco, batatas. Traz roupa, sabão e, às vezes, água, a moçambicana é demasiado salgada, queixa-se.
Quase todo o tabaco do Malawi passa agora pela Beira
"Quando vimos do Malawi, trazemos tabaco. Descarregamos aqui no porto e daqui levamos adubo e outras coisas, sim, sim", conta o camionista Biri Chunga.
O porto da Beira orgulha-se de atualmente ser responsável pelo escoamento de 80% do tabaco do Malawi. Só para esse produto está até a ser construído um novo armazém. Do Malawi vem ainda chá, feijão, milho, algodão. Do Zimbabué também vem algodão e trigo, adubo, granito e aço. Da Zâmbia chega cobre, adubo, trigo e milho. De Moçambique vai ainda açúcar, algodão, chá, carvão, madeira.
Os destinos do porto da Beira
Os destinos mais importantes são a China e a Índia, também a América e sobretudo camarão moçambicano segue para a Europa.
No grupo de Biri Chunga quem está a cargo dos afazeres domésticos hoje é Frederick Chikaroma. Foi ele que fez o almoço e cabe-lhe a ele agora lavar a louça. Alternam todos os dias, mas Chikaroma é o que cozinha melhor, todos confirmam isso. Ele e os companheiros são colegas de uma empresa de Lilongwe, a capital do Malawi.
"Quando acabar de lavar a louça, vamos todos à praia. Só voltamos ao fim da tarde para jantarmos e depois dormirmos", conta entusiasmado Chikaroma, que nunca viu o mar. Esta é a quarta viagem que faz a Moçambique, mas das outras vezes esteve muito ocupado, sem tempo para ir à praia. Antes de segunda-feira não obterão os documentos e, portanto, têm o tempo livre.
No percurso passam pelos trabalhadores da sucata, que terminaram agora o serviço e estão de regresso a casa. O fim de semana está aí, na segunda-feira todos estarão de volta ao porto da Beira.
Autora: Marta Barroso
Edição: Johannes Beck