Sugerir a divisão do país é sinal de desespero, diz analista
13 de janeiro de 2015O líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Dhlakama, anunciou no sábado (10.01) a criação de uma república autónoma do centro e norte de Moçambique, desafiando os resultados das eleições gerais de outubro, que o partido contesta.
As declarações foram recebidas por um coro de críticas. Damião José, porta-voz da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), considerou-as "uma aberração", sublinhando que a "Constituição da República é clara. Não há espaço para a divisão do nosso país". João Jasse, do Partido Trabalhista, também afirmou que "a RENAMO deveria obedecer ao primado da lei".
Em entrevista à DW África, o especialista em boa governação, Silvestre Baessa, sublinha igualmente o caráter inconstitucional da medida proposta. Além disso, fala também sobre as razões que terão levado o líder da RENAMO a fazer o anúncio.
DW África: Sob o ponto de vista da lei e da democracia, faz sentido a proclamação de Afonso Dhlakama?
Silvestre Baessa (SB): É uma incongruência total. Sob o ponto de vista constitucional, Moçambique é um Estado único, do Rovuma ao Maputo, e indivisível. A tomar uma posição dessa natureza, o presidente da RENAMO daria um pontapé à própria Constituição da República, que o seu partido ajudou a elaborar. Não me parece que seja correto haver uma divisão do país assente unicamente numa reclamação dos resultados eleitorais. Por outro lado, nas regiões norte e centro, onde o presidente da RENAMO diz ter tido uma maioria considerável, também há milhares de simpatizantes dos outros partidos, sobretudo do partido FRELIMO. Ou seja, esse não é um argumento forte.
DW África: A ideia de um Governo de gestão ou de unidade nacional seria algo mais aceitável e discutível entre as partes?
SB: Sim, desde que haja argumentos suficientes que o justifiquem. Até agora, o presidente da RENAMO nunca foi capaz de esclarecer completamente o que seria esse Governo de gestão. Faltou alguma argumentação. Do ponto de vista político, é aceitável que se discuta isso. Depois se verá o que esse Governo de gestão significa em termos de composição e funcionamento. Mas, por um lado, a RENAMO ainda não tem força suficiente para levar a FRELIMO a aceitar um acordo dessa natureza. Por outro lado, a partir do momento em que o presidente da RENAMO e o partido adotaram um discurso mais divisionista, acabaram também destruindo a possibilidade de se continuar a discutir um Governo de gestão.
Creio que esta será também uma situação de desespero. A RENAMO tem ainda de discutir três ou quatro pontos no Centro de Conferências Joaquim Chissano, que se esperava que pudessem ter sido ultrapassados antes do início do novo mandato. O tempo vai passando e as discussões não estão a avançar. O Conselho Constitucional validou os resultados, já começou todo o processo das tomadas de posse. Esta segunda-feira (12.01), os membros da Assembleia da República tomaram posse. No dia 15 será a vez do Presidente da República. E, com o passar do tempo, aumenta o desespero no seio da RENAMO, sobretudo ao nível da liderança. Dhlakama está sob uma forte pressão dos seus militantes, principalmente aqueles que estiveram mais presentes neste momento mais difícil do partido, ao longo dos últimos três anos - aqueles que menos ganhos têm tirado de todo este processo político. Esta é, para eles, a grande oportunidade de ter algum proveito.
DW África: As incongruências de que fala podem significar o "suicídio político" da RENAMO e do seu líder, Afonso Dhlakama, depois das conquistas que o partido obteve ao longo do último ano, incluindo até na revisão da lei eleitoral?
SB: Creio que não. Os resultados eleitorais dão uma base de sustentabilidade à RENAMO. O partido tem mais deputados no Parlamento, tem agora quase 90 assentos, está representado em todas as assembleias provinciais e, em algumas delas, tem até a maioria. A RENAMO não desaparecerá caso seja posto em causa todo este discurso de Governo de unidade nacional ou Governo de gestão. Mas isso poderá, em certa medida, afetar a capacidade do líder do partido de continuar a influenciar o processo de tomada de decisões, como tem feito ao longo dos últimos anos.
Por outro lado, o que é certo é que o líder da RENAMO tem "sete vidas" como um gato, encontrará uma saída. Parece-me, no entanto, pouco provável que consiga recuperar o discurso de Governo de gestão ou mesmo esta sugestão sobre a divisão do país. Creio que não terá apoio suficiente, mesmo dentro das hostes da RENAMO, para avançar com algo do género.