Somalilândia quer finalmente ser reconhecida pela Etiópia
20 de maio de 2024A província separatista da Somalilândia comemora, nestes dias, o sexto aniversário da sua declaração unilateral de independência, que aconteceu a 18 de maio de 1991, embora as suas reivindicações de soberania não tenham ainda sido reconhecidas pela comunidade internacional. Uma das esperanças das autoridades da Somalilândia reside no facto da vizinha Etiópia poder vir a assinar um acordo de reconhecimento da sua independência. A Somália, por sua vez, apresenta fortes objeções contra um tal acordo.
Segundo informações da imprensa da região, o acordo entre a Somalilândia e a Etiópia prevê, que - em troca do reconhecimento oficial da Etiópia, um país sem saída para o mar - a Somalilândia conceda 20 quilômetros (12 milhas), para que a Etiópia tenha acesso ao mar, por 50 anos, além de permitir a construção, por parte da Etiópia, de uma base militar na costa da Somalilândia. No entanto, saliente-se, não foram divulgados mais detalhes do aludido acordo.
Memorando de entendimento já assinado
O primeiro passo, para que o acordo se concretize em breve, já está dado: em janeiro de 2024 o líder da Somalilândia, Muse Bihi Abdi, assinou um memorando de entendimento com o primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed.
Para as autoridades da Somalilândia não há nada que possa impedir a asssinatura final deste acordo com as autoridades etíopes. Segundo o ministro das Finanças da Somalilândia, Saad Ali Shire, o porto de Berbera da Somalilândia "estará disponível para ser utilizado por todas as entidades etíopes", incluindo o governo e empresários. "Os nossos amigos etíopes não terão necessidade de construir outro porto novo", disse o ministro das Finanças da Somalilândia em entrevista à DW.
Essa Kayd, Ministro das Relações Exteriores e Cooperação Internacional da Somalilândia, também falou à DW: "Assim que assinarmos o acordo com a Etiópia e tivermos acordo sobre a localização da futura base naval e todas as condições a ela associadas, a Etiópia fará a proclamação oficial de reconhecimento da Somalilândia. Acho que todo o processo deverá estar concluido dentro de dois meses", acrescentou Kayd.
Por que o reconhecimento é importante para a Somalilândia?
Os habitantes da Somalilândia têm grandes esperanças nos benefícios que o reconhecimento por parte da Etiópia poderá trazer. "Politicamente, é importante porque, uma vez reconhecidos como estado independente, teremos uma voz na plataforma da política internacional", afirma Saad Ali Shire e acrescenta: "Podemo-nos conectar com o sistema financeiro internacional, podemos pedir dinheiro emprestado a instituições financeiras internacionais."
A maior parte dos habintantes da Somalilândia é de opinião que a independência é uma necessidade vital. Funcionários do governo, líderes da oposição e analistas na capital da Somalilândia, Hargeisa, insistem que a Somalilândia deveria ser uma nação soberana.
História conturbada
A antiga Somalilândia Britânica conquistou sua independência em 26 de junho de 1960. Mas desfrutou dela por apenas cinco dias. A 1º de julho de 1960, uniu-se à Somália Italiana e formou a República da Somália. A fusão pretendia unir todos os falantes de somali, que haviam sido divididos pelos colonizadores.
"Não era um projeto da Somália e da Somalilândia, era um projeto de recuperação das terras dos falantes de somali", afirma o matemático, Jama Musse Jama, que é um ativista defensor fervoroso da independência da Somalilândia. Jama lembra que o mundo inteiro, especialmente o ocidente - na altura - era contra o projeto de criação de um grande país falante de somali que teria sido o maior da região. "O certo é que os habitantes da Somalilândia, entenderam rapidadamente, que o projeto não estava a funcionar e tentaram imediatamente recuperar a sua independência", explica ainda o ativista, entrevistado pela DW.
Apenas mais de três décadas depois, em 1991, após o colapso do presidente da Somália, Mohamed Siad Barre, a Somalilândia conseguiu declarar unilateralmente a sua independência. Mas a declaração nunca foi reconhecida internacionalmente. "Estamos agora a tentar, com toda a força, obter o reconhecimento da Somalilândia", sublinha Jama.
Mohamed Warsame, ex-funcionário da ONU que agora lidera um dos partidos de oposição da Somalilândia, critica a comunidade internacional por virar as costas à Somalilândia: "Nós estamos aqui, há 34 anos, a lutar pela nossa liberdade e pela nossa república, que deveria sem dúvida ser independente e soberana, enquanto que a comunidade internacional nos vira as costas", afirma Mohamed Warsame.
Forte oposição da Somália
A própria Somália sempre recusou aceitar a declaração de independência da Somalilândia — e o presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud, declarou inválido o memorando de entendimento entre a Etiópia e a "província separatista", cinco dias após sua assinatura, acusando a Etiópia de "tentar anexar" território da Somália: "Essa ação ilegal causará tensões, conflitos e instabilidade regional se não for revertida", alertou o presidente da Somália em janeiro passado.
Relações entre Etiópia e Somália tensas
A Etiópia e a Somália têm uma longa história de conflitos. Isso é uma preocupação para a comunidade internacional. Mas é "irracional", segundo Mohamed Farah, diretor da Academia para a Paz e Desenvolvimento, com sede em Hargeisa.
"A Somalilândia tem o direito, segundo a lei internacional, de obter reconhecimento internacional. A Etiópia tem o direito de reconhecer a Somalilândia", argumenta Farah. "Se o governo da Somalilândia conseguir convencer os partidos de oposição, o parlamento e o público em geral, de que este acordo que se seguirá serve os melhores interesses do país, não vejo grandes obstáculos que possam bloquear o caminho", afirma Mubarik Abdulahi, primeiro vice-presidente da associação política Barwaaqo, com sede na Somalilândia.
O diplomata Mohamed Warsame, ex-funcionário da ONU, confirma e conclui: "Se a Etiópia liderar o caminho, seremos o 55º membro da União Africana."