Retrato da memória da Alemanha em Moçambique
A 24 de fevereiro de 1979 - dez anos antes da queda do muro de Berlim - o Presidente do Conselho do Estado da então República Democrática Alemã (RDA), Erich Honecker, visita Maputo e assina com as autoridades moçambicanas um acordo sobre o intercâmbio de trabalhadores contratados. Ambas as partes sublinham o caráter amigável e cooperativo deste tratado. Mas há interesses específicos dos dois lados: Moçambique quer divisas para pagar o enorme déficit acumulado ao longo dos anos. Além disso, o Governo de Maputo espera que os trabalhadores formados na RDA regressem um dia para ajudar a levantar a economia destruída na guerra civil. A RDA, por sua vez, precisa urgentemente de mão de obra barata.
A obra de um acaso
No âmbito desse acordo, acabariam por seguir para a Alemanha do Leste cerca de 20.000 moçambicanos. Quando caiu o muro de Berlim, em 1989, 15.500 moçambicanos ainda se encontravam na Alemanha do Leste, trabalhando em 193 empresas.
O fotografo alemão, Malte Wandel, publicou um livro sobre a história dos jovens moçambicanos que viveram na antiga RDA. A obra com o título "Einheit, Arbeit, Wachsamtkeit", em português, unidade, trabalho e vigilância, saiu do prelo em 2012. É fruto de dois anos de trabalho, conta o fotógrafo premiado: "Eu estava num projeto social na África do Sul em Johanesburgo, em 2007. Amigos aconselharam-me a passar um fim de semana prolongado em Moçambique. Como turista, na rua, encontrei alguns ex-trabalhadores da RDA, que se aperceberam que eu era alemão e que me contaram a sua vida na Alemanha democrática".
O orgulho dos Madgermanes
Hoje, vinte anos, depois do regresso a Moçambique, grande parte dos ex-trabalhadores destacados não foi reintegrada socialmente e vive numa enorme pobreza. Na RDA, 80 por cento do salário que ganhavam, era deduzido e enviado para Moçambique. Posteriormente deviam ter recebido esta quantia sob a forma de pensões. Muitos Madgermanes, nome que lhes foi dado pelos seus compatriotas, acusam o Estado moçambicano e o partido no poder, a FRELIMO, de se terem apoderado do seu dinheiro ou de pouco terem feito para solucionar a situação.
Malte Wandel conheceu esta realidade de perto: "Fiquei impressionado com a vida difícil que os antigos trabalhadores têm hoje em Moçambique e também com esta injustiça, com o facto de terem sido enganados.
Um documentário para breve
Mais que isso, diz o fotógrafo, impressionou-o falarem tão bem o alemão e estarem orgulhosos desse tempo que passaram na RDA, que na Alemanha tem má reputação: "Aprendi muito sobre o meu próprio país", remata.
Malte Wandel, ficou de tal modo impressionado com Moçambique que em fevereiro deste ano partirá de novo para o Índico, desta vez para filmar um documentário sobre os Madgermanes.
Autora: Helena Ferro de Gouveia
Edição: Cristina Krippahl/António Rocha