Reinício de guerra civil é possível em Moçambique, diz analista
Nesta quinta-feira, 04.04, agravaram-se as tensões entre o governo de Moçambique e a RENAMO, o maior partido da oposição do país oriental africano que, entre 1976 e 1992, foi palco de uma guerra civil entre o antigo movimento rebelde e a FRELIMO, que hoje é o partido no poder.
Segundo a agência noticiosa LUSA, a retórica cedeu a confrontos armados. Segundo a DW África apurou junto a fontes locais, quatro pessoas morreram e 13 ficaram feridas. A LUSA fala em cinco mortos e "vários feridos".
Na quarta-feira (03.04), a polícia realizou ações de desalojamento de militantes da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) de sedes partidárias nas províncias de Manica e Sofala, no centro do país. O ex-movimento rebelde retaliou na noite de quarta-feira e assaltou uma sede policial em Muxungué. Esta ação, segundo a LUSA, causou cinco mortes - quatro polícias e um comandante da RENAMO.
Face a esta situação, que futuro terá o maior partido oposicionista moçambicano? A DW África conversou com Sultan Mussa, representante da Fundação alemã Konrad Adenauer na capital moçambicana Maputo.
DW África: Na sua opinião, porque estão acontecendo estes confrontos na região centro de Moçambique?
Sultan Mussa (SM): Isso tem a ver com muitas reivindicações da RENAMO. Aliás, já sabemos que [é] desde o ano passado que havia reuniões entre a RENAMO e o governo sobre as reivindicações, a despartidarização [da Comissão Nacional Eleitoral, CNE] e a separação de poderes [no país]. [Estas reuniões] não tiveram um resultado satisfatório para a RENAMO. Então, a RENAMO já vem a dizer isto há tempos, a dizer que vem realizar manifestações. Estas manifestações nunca se realizaram porque, de uma parte, o governo também ameaça quando a RENAMO pretende fazer estas manifestações. [Daí] também existe uma ameaça do governo a dizer "olhe, é proibido". Na prática, portanto, a RENAMO nunca realizou estas manifestações.
DW África: Então esta ação é uma resposta da RENAMO à falta de resposta por parte do governo moçambicano?
SM: Exatamente. E também, neste momento, tem a ver com as eleições. Quer dizer, a lei eleitoral tem uma questão muito importante para o partido RENAMO, que é a composição da CNE. Então a RENAMO exige que haja a paridade, que o número dos membros da sociedade civil, dos partidos políticos, que seja igual. A RENAMO pretende que a composição seja só dos membros dos partidos políticos.
Então, como isso não aconteceu, os membros da RENAMO reclamaram, pretendem boicotar as eleições com manifestações etc. E isso também fez pressão ao governo, e o líder da RENAMO [Afonso Dhlakama] posicionou-se na serra da Gorongosa [centro do país] e isso também é um aspecto de que o governo tem "medo".
DW África: Face a esses confrontos e a tensão que se vive na região centro do país, podemos falar do reinício de uma guerra civil em Moçambique?
SM: É possível, sim, porque acho que o governo não tomou muita atenção no diálogo com a RENAMO. Porquê? O governo tem o seu direito, nós sabemos que a Constituição da República existe, que todo o diálogo, tudo o que foi apontado no Acordo Geral de Paz deve ser dialogado e discutido na Assembleia da República.
Até aí, tudo bem. Mas, a RENAMO, lá na Assembleia da República, esse partido não tem esse poder de decisão ou como influenciar a decisão na Assembleia da República. Então isso fez com que a RENAMO fosse às negociações. E essas negociações não foram, por assim dizer, "atendidas". A RENAMO acha que praticamente já fez tudo e eles vão se manifestar e vão boicotar as eleições. Então isso vai ser uma fase difícil para Moçambique porque poderá haver instabilidade na sociedade civil e tudo o mais. É o que estamos a ver.
Temos o recensamento a partir do mês de maio. Nessa altura, se calhar pode aparecer um desequilíbrio, onde haja tiros, como já está a acontecer no centro do país. Acho que esse diálogo deveria ser explorado, muito mais do que foi feito até agora.
DW África: O fato de a população ter traumas da guerra civil e não querer, portanto, o retorno à guerra: a RENAMO conseguirá manter uma boa imagem de pacifismo junto da população depois dos confrontos da madrugada desta quinta-feira (04.04)?
SM:Não. Eu acho que a RENAMO não tem nada a perder. A RENAMO não está preparada para as eleições, para a campanha, não está preparada para isso. Então ela praticamente só sabe reivindicar os seus direitos desde há muito tempo.
DW África: Que futuro visualiza para a RENAMO como partido?
SM: É uma situação difícil. Apesar de a RENAMO ter grandes massas, também o líder [Dhlakama] ter muito sustento nas massas e as eleições decorrerem neste ano, a RENAMO também poderá perder mais assentos na Assembleia da República.
Em contrapartida, existe uma grande insatisfação também da população por causa da situação sociopolítica atual. Neste momento, Moçambique descobre vários recursos naturais, temos os "megaprojetos" e isso agora vai criar um crescimento e há uma grande massa dos moçambicanos que vão ficar mais pobres. Vamos criar uma elite muito forte, com grandes poderes.
DW África: É possível renovar a liderança da RENAMO?
SM: Acho que sim. Há necessidade de um diálogo interno. O líder mantém-se lá e quer manter a eternidade porque diz que é o líder da estabilidade. Internamente, isso é um pouco difícil. Mas há os outros partidos que já estão a crescer, como o MDM (Movimento Democrático de Moçambique), que são um exemplo.