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CriminalidadeRepública Centro-Africana

RCA não tem controlo sobre "diamantes de conflito"

Lusa
27 de novembro de 2021

Analistas dizem que o país não está em condições de controlar as riquezas mineradas, como reflexo da Operação Miríade, que investiga o tráfico de diamantes por militares portugueses pertencentes à Missão da ONU na RCA.

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Foto: SIPHIWE SIBEKO/REUTERS

A Operação Miríade, que investiga um caso de tráfico de diamantes por militares portugueses pertencentes à Missão da ONU na República Centro-Africana (RCA), mostra que um dos maiores produtores de diamantes do mundo "não está em condições" de controlar as riquezas mineradas no seu território, especialmente, "diamantes de conflito". Esta é a opinião de analistas ouvidos pela agência de notícias Lusa.

"Há problemas na RCA e o seu sistema de controlo é muito fraco", disse Shamiso Mtisi, coordenador da Coligação da Sociedade Civil do Processo de Kimberley (KPCSC, na sigla em inglês), que tem a responsabilidade de monitorizar o comércio de diamantes de conflito em todo o mundo. A analista participou do Conselho Mundial de Diamantes (CMD), que discutiu em Moscovo o alargamento das áreas de prospeção certificadas (conhecidas como "zonas verdes"), de 12 a 14 de novembro.

O CMD é a entidade internacional responsável pela aplicação do Processo de Kimberley de certificação de diamantes no âmbito das Nações Unidas, que definiu os "diamantes de conflito", muitos "originários de áreas controladas por forças ou fações contrárias a governos legítimos e internacionalmente reconhecidos, e que são utilizados para financiar ações militares em oposição a esses governos, ou em contravenção das decisões do Conselho de Segurança" da ONU.

"A decisão de não alargar as zonas verdes foi tomada [pelo CMD] muito antes da notícia do caso português. Mas o incidente mostra que há problemas na RCA e o seu sistema de controlo é muito fraco. Mostra também que o Processo de Kimberley (PK) esteve certo em não permitir o alargamento de zonas em conformidade no país", afirmou Mtisi.

Os "diamantes de conflito"

O Governo da RCA - o único país do mundo sob embargo relacionado com "diamantes de conflito", imposto em 2013 e "aligeirado" em 2015 - com o apoio da Rússia e outros estados-membros do PK, levou à assembleia-geral do CMD a proposta de expandir as "zonas verdes" de prospeção certificada no seu território, mas essa pretensão não foi aprovada.

Portuguese UN soldiers investigated in anti-smuggling operation
Avião militar portuguêsFoto: Armando Franca/AP

"O caso do tráfico de diamantes por tropas portugueses pertencentes à Minusca ilustra um dos problemas que temos vindo a identificar na RCA, de controlo dos aeroportos ou pontos de entrada e saída do país", explicou Mtisi.

"Se as medidas de controlo fossem eficientes, os diamantes não sairiam da RCA sem que isso fosse detetado. O caso ilustra a existência de um sistema de controlo muito fraco, que tem sido manipulado por diferentes atores. O próprio Governo não consegue controlar certas áreas, não consegue controlar sequer o aeroporto", acrescentou o ativista. 

A RCA é o único país no mundo origem de "diamantes de conflito" e por isso é tão importante enquanto exemplo das falhas do Processo de Kimberley. "Os 'diamantes de conflito' continuam a sair da RCA e a chegar aos mercados internacionais, são introduzidos no sistema, com certificados PK, obtidos em centros de comércio internacionais", sublinha Mtisi.

Embargo estimulou criminalidade

Hans Merket, investigador no International Peace Information Service (IPIS, outra organização pertencente à KPCSC), diz que "falta esclarecer" no caso do tráfico de diamantes por tropas portuguesas integradas na Minusca "até que ponto estamos a falar de 'diamantes de conflito'". 

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Merket chama a atenção para o facto da definição de "diamantes de conflito" ser demasiado "preto-e-branco", mas sublinha que este caso, sobretudo "mostra que a mera imposição de um embargo a um país na expectativa de que o problema desapareça não funciona".

O problema, diz o investigador do IPIS, é que "logo que os diamantes sejam minerados - e continuam a ser minerados em larga escala na RCA - encontram um caminho para chegar ao mercado, de uma ou outra forma, como foi este caso das tropas portuguesas". 

Aliás, o embargo imposto à RCA em 2013, ainda que aligeirado em 2015 com a criação das "zonas verdes", "proporcionou o florescimento de muitas organizações criminosas", acrescentou Merket, sublinhando que a atividade do setor legal na RCA "é irrelevante". 

"A maior parte dos cerca de 250 mil mineiros artesanais na RCA está mãos de organizações criminosas ou de grupos rebeldes. As suas vidas dependem dos diamantes e eles entregam-nos a quem lhes pague. Ponto!", diz o investigador do IPIS.

"Branqueamento de minerais"

"Enquanto houver esquemas de branqueamento de capitais, haverá esquemas de branqueamento de minerais", afirma Mohamed Diatta, investigador no Institute for Security Studies (ISS) em Pretória. "O PK não tem como impedir o contrabando de diamantes e a venda de minerais de conflito em todo o mundo", diz também esta fonte.

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Outro dos elementos importantes a saber sobre a Operação Miríade é o da escala do tráfico em causa. Hans Merket sublinha que contrabando de diamantes em pequena escala é muito fácil. "É fácil ocultá-los e passar no aeroporto de Bangui sem que sejam detetados", diz. 

Já o contrabando em larga escala "é mais intrincado, envolve ligações com elementos ligados ao poder e contactos em todo o lado, que fazem parte do esquema, assumem missões particulares e não fazem perguntas", continua o mesmo ativista. "Estamos a falar de grandes organizações criminosas, algumas com ligações a organizações terroristas, que não se estabelecem de um dia para o outro, mas que, uma vez constituídas, tornam difícil que o setor legal possa competir com elas."

As notícias iniciais relativas à Operação Miríade davam conta da interceção de apenas oito pedras pelas autoridades de investigação portuguesas, uma indicação que não revela necessariamente a dimensão da operação, até porque as mesmas notícias revelaram buscas numa centena de locais, envolvimento de quatro dezenas de empresas e detenção de mais de uma dezena de pessoas. 

"Eu tenho dificuldade em acreditar que se trata de coisa pouca. Não estamos a falar de amendoins. Eu vi como estes contingentes [de tropas pertencentes à Minusca] conseguem mover-se e o que conseguem mover, sem qualquer controlo", diz Diatta. 

"Caixas... Recorde-se que as tropas transportam armas e normalmente transportam-nas em caixotes grandes. Tanto quando as fazem chegar ao país como quando as retiram. Esses caixotes não são controlados", chama a atenção o investigador do ISS. "Não penso que estejamos a falar de quantidades pequenas e insignificantes", arrisca Mohamed Diatta.