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PolíticaQuénia

Quénia: Crise económica marca um ano de Ruto no poder

Silja Fröhlich
14 de setembro de 2023

Os custos dos alimentos e os impostos são elevados, a oposição é beligerante e os quenianos estão zangados. William Ruto perdeu apoio interno. É altura de ele ouvir aqueles que votaram nele, dizem alguns especialistas.

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Foto: Khalil Senosi/AP/picture alliance

Muitos quenianos chamam ao Presidente William Ruto "Zakayo", em homenagem ao cobrador de impostos bíblico Zaqueu, que extraía até ao último cêntimo dos bolsos dos cidadãos.

No primeiro aniversário da sua administração, Ruto recebeu duras reacções de alguns cidadãos do Quénia.

"O primeiro ano de mandato de Ruto tem sido um fardo que a maioria de nós não consegue suportar", lamenta Fred Ooko, um especialista em TI de Nairobi.

"Na minha opinião honesta, a administração de William Ruto é a pior da história do Quénia até agora", disse Hamisi Salim, residente em Mombaça, à DW.

Como é que Ruto - que no ano passado se apresentou como o candidato das pessoas comuns que lutam para sobreviver - se tornou tão impopular tão rapidamente?

"O meu governo vai baixar o custo de vida", prometeu Ruto depois de tomar posse. Mas um ano depois, pouco mudou. Muitos acreditam que estão em pior situação sob a sua liderança.

"Ele chegou com muitas promessas populistas sobre como iria mudar os sistemas para que o Quénia funcionasse mais para os seus cidadãos do que apenas para a elite", disse o comentador político queniano Patrick Gathara à DW. "Retirou os subsídios existentes aos géneros alimentícios e aos combustíveis que, segundo ele, não estavam a funcionar. Parecia que ele era surdo às preocupações dos quenianos".

Kenia | Unterstützer von William Ruto feiern seinen Wahlsieg in Eldoret
Na sua campanha eleitoral, William Ruto apresentou-se como um homem do povo.Foto: Brian Inganga/AP/picture alliance

Cobrança de impostos

A inflação no Quénia desceu para 6,7% em agosto, mas ao longo do último ano os preços da gasolina aumentaram 22%, os da eletricidade quase 50% e os dos produtos de primeira necessidade, como o açúcar e o feijão, quase 60% e 31%, respetivamente.

Em julho, Ruto promulgou uma lei financeira que deverá gerar mais de 2,1 mil milhões de dólares para os cofres do Governo, que se encontram esgotados.

Incluía também novos impostos ou aumentos sobre o preço dos produtos básicos, como o combustível e os alimentos, e as transferências de dinheiro por telemóvel, bem como uma taxa controversa sobre todos os contribuintes para financiar um programa de habitação.

O Governo afirmou que os impostos ajudariam a criar emprego e a reduzir o endividamento público - mas muitas pessoas têm tido dificuldades em fazer face às despesas.

"Somos uma população de pouco mais de 50 milhões de habitantes, mas a maioria dos quenianos vive abaixo de um dólar por dia, abaixo do limiar da pobreza", afirmou Nerima Wako, Diretor Executivo da Siasa Place, uma ONG que envolve os jovens na governação. "Não têm acesso a serviços como a saúde, a habitação e a água".

"Os quenianos não têm problemas em pagar os seus impostos", salientou Wako. "Mas para onde vai exatamente esse dinheiro dos impostos? Quando se paga os impostos, obtêm-se melhores estradas, melhor saúde, energia. Mas os quenianos não estão a ver isso. O que os quenianos vêem é o peso dos impostos e o facto de o governo não ser responsabilizado".

"A lei é um erro e uma experiência que os quenianos não podem permitir", afirmou o líder da oposição, Raila Odinga. "E a nova miríade de impostos deu a Ruto a alcunha pela qual é agora conhecido, Zakayo."

Kenia | Ausschreitungen und Proteste in Nairobi und Kisumi
O líder da oposição queniana, Raila Odinga, apelou aos seus apoiantes para que participassem em protestos a nível nacional para exigir que o governo baixasse o custo de vida. Alguns destes protestos tornaram-se violentos.Foto: Luis Tato/AFP

Luta com a oposição

Esta situação favoreceu a oposição, liderada por Odinga, que se sentiu enganado por não ter ganho as eleições, depois de se ter apresentado como candidato presidencial pela quinta vez.

Odinga apelou aos quenianos para que saíssem à rua para protestar contra o fim dos subsídios e o aumento dos impostos. Pelo menos 33 pessoas morreram desde o início dos protestos em março de 2023, segundo a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch. Centenas de outras ficaram feridas.

"Grande parte dos protestos foi motivada pela oposição, que juntou as suas próprias queixas relacionadas com as eleições a este sentimento generalizado de que o governo estava a fazer pouco para baixar o custo dos preços", explicou Garatha.

Em agosto de 2023, a coligação governamental do Quénia e aoposição chegaram a acordo sobre a criação de uma equipa de diálogo nacional bipartidária com 10 membros para resolver o conflito político no país.

"Esperamos que isto resulte em alguma forma de coordenação e colaboração para que todos possamos avançar", disse Wako.

Ruto na cena internacional

Embora a reputação de Ruto no Quénia tenha sofrido, fora da nação da África Oriental ele é considerado por muitos como um líder global, explicou Wako.

Wako referiu-se ao facto de o Quénia ter acolhido a Cimeira Africana sobre o Clima e disse que o facto de Ruto ter ido para a reunião num carro elétrico mostrou "como ele quer ser retratado como um criador de tendências, como sendo inovador e como um presidente que promove a inovação na economia digital".

Berlin Präsident William Ruto Kenia und Kanzler Scholz
Ruto é considerado um aliado fiável do Ocidente, tendo tomado uma posição forte contra a guerra na UcrâniaFoto: Political-Moments/IMAGO

Em setembro de 2022, Ruto enviou o seu antecessor Uhuru Kenyatta como enviado de paz à Etiópia para supervisionar a monitorização de um acordo de paz.

Em novembro de 2022, enviou 900 soldados para a República Democrática do Congo (RDC) para se juntarem a uma força regional encarregada de tentar acalmar as tensões mortais alimentadas por grupos armados.

Em abril de 2023, Ruto ofereceu-se para mediar entre as partes em conflito no Sudão para ajudar a restaurar a paz no país, o que foi rejeitado pelo governo militar do Sudão.

E em agosto de 2023, o Quénia ofereceu-se para enviar agentes da polícia para o Haiti para ajudar a polícia a combater a escalada da guerra entre gangues.

Ruto é considerado um aliado fiável das nações ocidentais, tendo assumido uma posição forte contra a guerra da Rússia na Ucrânia e criticado abertamente a retirada de Vladimir Putin de um acordo sobre cereais que permitia a passagem de cereais ucranianos através do Mar Negro.

"Penso que ele estava a tentar construir uma estatura internacional para contrariar as questões sobre a sua legitimidade que estavam a ser levantadas por Raila Odinga", disse Garatha.

Uma oportunidade para dar a volta à situação?

No entanto, nem tudo são desgraças.

Fred, um residente de Nairobi, disse à DW que "na área da agricultura, ele tem tido bons resultados". "Alguns receberam subsídios para fertilizantes e isso está a aumentar a produção de alimentos".

De acordo com Garatha e Wako, Ruto promoveu a digitalização do país e um melhor acesso à Internet. Estabilizou o seu regime e avançou com a sua agenda de reforma do sistema de saúde. Além disso, trouxe a Cimeira Africana sobre o Clima para o país e levou o seu tempo a nomear o seu gabinete - embora isso também tenha suscitado críticas.

"Esta administração não parece ter parado de fazer política", disse Wako. "Esperamos que se concentrem no seu trabalho e menos na política."

Alguns observadores dizem que o que Ruto precisa de fazer agora é voltar a entrar em contacto com os quenianos que votaram nele e que confiam nele para melhorar as suas vidas.

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